domingo, 25 de outubro de 2009

Do mexerico ao longo prazo

Mexericos de peixe graúdo vão marcando o ritmo na nossa economia. Com um mercado de dimensão reduzida e com as grandes empresas maioritariamente voltadas para o mercado interno ou focalizadas na importação, alguns dos nossos destacado actores vêem-se recentemente coagidos na direcção de movimentos de que resultam quase sempre mexericos de bairro.

A parolice (a que neste texto se evidencia assola as gentes do Sul) começou com a OPA da Sonae sobre a PT. Essa ímpia investida com origem no Norte do país colocou em sobressalto o status quo que mora no Sul. Este Sul, fornecido de poder político bem alinhado com a banca e investidores furtivos tratou de derrotar a OPA. Independentemente da justiça ou não do desfecho, ficou evidenciado que este Sul político e económico gosta mais de jogos de poder do que de projectos.

Os joguinhos de poder são, por norma, o resultado da exiguidade do ringue onde decorre a acção. Após a OPA sobre a PT os jogos continuam a decorrer. Agora com a participação mais activa de um dos intervenientes sulistas que comanda uma empresa de nome estrangeirado e que sugere movimento. Consta que a Ongoing tem participação na empresa mãe de um banco que tem grande participação na PT e junto do qual contraiu dívida relevante para marchar também com a PT. Cumulativamente, o fundo de pensões desta empresa lembrou-se de investir uma importante soma nessa empresa em movimento. A Ongoing diz que o seu investimento na PT é estratégico.

Independentemente dos méritos da estratégia da Ongoing, o muito entrelaçado modelo de financiamento dos seus negócios abre espaço a todo o tipo de especulações sobre movimentos de bastidores pouco transparentes. Transparente seria que fosse o dinheiro da liquidação da participação detida na ESFH a andar para a frente nas suas veleidades no sector da comunicação. Da forma como vem sendo feita, soa a que a Ongoing seja um veículo privilegiado do BES, ganhando este um reforço na sua posição na PT e ganhando juros do empréstimo à Ongoing. Esta ganha destaque e visibilidade ao jogar num tabuleiro grande sem lá colocar muito dinheiro.

O país precisa mais de projectos claros, onde o sucesso no jogo dependa mais dos produtos / serviços oferecidos e menos do sucesso dos movimentos de bastidores. Esse não vem sendo o entendimento em alguns dos nossos jogadores. A zona de conforto de muito lusitano (e desengane-se quem pensa que os dirigentes estão "para além disso" e noutro patamar) é a constante busca de influências para alcançar a melhor posição no tabuleiro onde se quer jogar. Mergulhados neste modelo dúbio, pouco transparente, confuso e dependente de muita interacção entre muitos actores, temos um caldo que não nos serve e que passa um modelo pouco adequado às gerações futuras.

O combate ao modelo dos jogos de poder tem que ser feito para que não se passem sinais aos Portugueses de que é no mexerico que está o ganho. No caso, a forma de o fazer passaria por influenciar os investidores em se direccionarem para projectos que envolvam exportações ou substituição de importações de bens e serviços. No tabuleiro mundial joga-se mais o jogo através do mérito daquilo que se tem para oferecer do que das vantagens que se podem granjear em jogar o jogo dos "meandros". Assim, e de uma forma natural, afastar-se-iam os investidores dos mexericos locais, colocando-se assim pessoas capazes a trabalhar de forma mais produtiva e com objectivos que vão de encontro ao interesse do país (que neste momento é, e para quem não se tenha apercebido, passar a exportar mais do que aquilo que importa de modo a não se viver acima das possibilidades e também a pagar o que deve).

Proponho que se passe de um modelo de mexerico e meio parolo para um jogo grande e de longo prazo, e onde a orientação exportadora marque o ritmo. A Holanda fá-lo com sucesso com 16 milhões de pessoas, cerca de 45% da nossa area territorial, e a sair do trabalho às 16h30m.

sábado, 24 de outubro de 2009

Perspectivas para o trabalhador do conhecimento em Portugal

Singularmente os Portugueses com maior formação formal vêm-se envoltos num cenário pouco atraente. Desde os meados dos anos 80 uma boa percentagem de Portugueses tem vindo a adquirir muita formação (leia-se cursos superiores / mestrados / doutoramentos). Existem expectativas legítimas que adquirir formação de nível superior (chamemos a estas pessoas “trabalhadores do conhecimento”) resulta em maior rendimento. Produtividade mais alta e execução de tarefas diferenciadas e de maior responsabilidade suportam estas expectativas. Mas a prática diz que em Portugal as expectativas estão a sair furadas.

Porque é que os trabalhadores do conhecimento ganham mal em Portugal?

1. Culturalmente a classe dirigente não percebe bem o que é um trabalhador do conhecimento. A sua base de relação ainda é muito de patrão / empregado, e o conceito de “partenariado”, que o dirigente conhece, está muito circunscrito ao que ele considera “os seus pares”. O resto é isso mesmo, ou seja, o “resto”. E lá cabe tudo, tenha lá a formação que tiver.

2. A produtividade dos trabalhadores do conhecimento é tendencialmente de difícil mensuração. E a aposta em organizções baseadas no conhecimento é ainda uma questão de atitude e onde os aspectos culturais pesam muito.

3. Os benefícios do trabalho do trabalhador do conhecimento são de médio longo prazo enquanto a retribuição é de curto prazo. E em Portugal ainda se avalia muito o retorno imediato.

4. A nossa cultura considera que o facto de se ganhar um pouco acima da média deve-se trabalhar mais horas. “Dar horas” de trabalho é dever do trabalhador do conhecimento. Trabalhador do conhecimento que trabalhe 8 horas por dia é mal visto, mesmo que tenha uma produtividade que seja o dobro da média corrente (dos seus pares). É então considerado um “calão”.

5. As falhas dos dirigentes e sua falta de produtividade têm que ser colmatadas de quem dele depende. Como já vão existindo uma panóplia de trabalhadores do conhecimento nas empresas, são estes que têm que se chegar à frente, pois são estes que estão em condições de substituir o trabalho do dirigente. As falhas deste são colmatadas pelo esforço daquele. A desresponsabilização do dirigente e o maior brio do trabalhador do conhecimento fazem o resto.

6. O trabalhador do conhecimento não tem espírito sindical. Nem tem que ter. Mas isso anda a prejudicá-lo.

7. Não há um número suficientemente grande de grandes organizações em Portugal para criar um mercado de dimensão mínima para disputar o número crescente de trabalhadores do conhecimento. O ritmo de produção de trabalhadores do conhecimento tem sido mais rápido do que o crescimento em quantidade e dimensão das empresas necessárias para os absorver. Visto à posteriori pode-se especular que as nacionalizações de 1975 deram um murro desfazado no tempo aos trabalhadores do conhecimento que começaram a aparecer após a década de 90. Os trabalhadores de conhecimento precisam de grandes empresas para potenciarem a sua mais-valia.

8. Derivado dos pontos anteriores temos que os rendimentos do trabalhador do conhecimento estão em Portugal muito esmagados. A experiência das últimas fugas de cérebros e algum empirismo dizem que, para um mesmo nível de produtividade, os rendimentos em Portugal são bastante inferiores aos obtidos nos países saxónicos (cerca de 1/3).

O cenário de um trabalhador do conhecimento não é famoso:

1. Para um nível de produtividade semelhante obtém um rendimento 1/3 inferior
2. Tem de trabalhar mais do que 8 horas
3. Não é reconhecido
4. Os empregadores passam a mensagem de que é uma sorte e um acto de caridade empregarem-no.
5. A generosidade intríseca e o brio do trabalhador do conhecimento é explorado (no mau sentido) pelo dirigente português, unindo-se assim o pior da nossa classe dirigente (o abuso cultural derivado da sua posição) e o melhor da classe emergente de trabalhadores do conhecimento (o brio e o desejo de mostrar trabalho de valor acrescentado).
6. Decorrente dos pontos anteriores o tempo dedicado à família é inferior. Segmento da população onde seria desejável que a taxa de natalidade fosse superior, e onde a qualidade de vida fosse genericamente superior como prémio pelo conhecimento adquirido, o resultado é contrário ao expectável. Por estar num patamar acima da média ao nível de custos fixos, e com pouco tempo para dedicar à família, o trabalhador do conhecimento tem pouca margem de manobra para apostar numa vida familiar minimamente estável. Assim, as expectativas de nível de vida são desporpocionadas face aos níveis intelectuais possuídos.

Que saídas possíveis para o trabalhador do conhecimento português no curto prazo?

1. Emigrar no caso de ser mais aventureiro
2. Ser mais rigoroso do que o expectável ao nível dos custos de modo a poder gozar de uma estabilidade financeira que não prejudique a sua perfomance.
3. Diferenciar-se ao máximo dos seus pares e tentar oferecer serviços únicos de modo a ganhar poder negocial.
4. Manter-se sempre no activo, mesmo que para isso tenha que seguir carreira internacional.
5. Aprender uma segunda língua.
6. Votar CDS e convencer o máximo número de pessoas em fazê-lo.

Quem são os melhores amigos do trabalhador do conhecimento português no momento?

1. A globalização pois esta requer os seus serviços sem olhar muito a preconceitos.
2. A língua inglesa, essa benção que reduz a um mesmo denominador a comunicação tão necessária à area do conhecimento.
3. As empresas multinacionais e as grandes empresas estrangeiras com dimensão.
4. Os aeroportos nacionais. Notar que a TAP não dá nenhuma ajuda pois limita destinos europeus ao promover destinos na lógica de “hubs”. E sem contar com os preços que pratica. O melhor que podia acontecer ao trabalhador do conhecimento seria a falência da TAP. Isso aumentaria o número de destinos secundários na Europa e reduziria os preços.
5. O desenrascanço. Por culturalmente ser desenrascado, alia essa herança a que não se consegue fugir à disciplina que colheu nos seus estudos. Junta assim os dois mundos, o que vai sendo muito valorizado nas matérias ligadas ao conhecimento pois é um pacote quase único que pode oferecer. Em conjunto, aliás, com os australianos (e segundo me disseram, também com os sul-africanos).

Não sendo no entanto catastróficas, as perspectivas do trabalhador do conhecimento em Portugal são frustrantes. O que deveria ser uma classe que marcasse o standard, que fosse referência, que servisse de verdadeiro farol aos outros segmentos da população, é uma classe desmotivada, não referente, meio perdida e revoltada. Tudo devido à desproporção entre as expectativas e a realidade.

Não premiar o estudioso é dar sinais errados aos habitantes de um País. Se isto é axiomático, em Portugal surge mais acentuado pois premeia o chico-espertismo, o safanço, o lambe-botas, o corrupto, o "grupinho", o mal dizente, o "cabrão", o curto-prazo. Tudo coisas com boa raiz cá no burgo e que temos de banir o mais rapidamente possível. Se não o fizermos, seguramente marcamos passo.