quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A alvorada das galinhas tontas

QUINTA-FEIRA, 30 DE SETEMBRO DE 2010

Aos 29 de Setembro de 2010 o Governo de Portugal acordou para a vida. O idílico sono em que se encontrava foi perturbado por essa coisa inconveniente chamada realidade. Incomodado com esta e sentindo-se ultrapassado por todos os acontecimentos dela decorrentes, o governo, de cabelos em pé e sem saber muito bem o que decidir, resolve disparar no sentido de reduzir o défice. É que ao acordar foi-lhe dito que a dívida acumulada e o défice corrente são mesmo de uma grandeza superior à que os despertados pensavam. Eles até sabiam disso, só não sabem bem é como lidar com a informação proactivamente.

Já acordados, mas ainda meio estremunhados, vai daí e resolvem mexer nos cordelinhos. E até os mexem no sentido correcto, mas quais galinhas tontas, perdem-se nas proporções (por defeito) e nos fundamentos de cada medida. Um bocadinho como aquelas pessoas no trabalho que se desculpam muito com decisões que foram forçadas a tomar. Mas neste caso, e por inerência da função, com um ar mais forçado e falsamente convicto, o que, aliás, é próprio dos espíritos mais distanciados da realidade.

No meio desta balbúrdia matinal, e misturando o frenesim da decisão com a neblina que envolve a realidade aos seus olhos, o Governo ainda tem o descaramento de dizer que ainda andamos a crescer umas gramas, que é como quem diz a um obeso que pode passar de 12 para 9 Bolas de Berlim se se disposer a fazer uma flexão por dia. Sem dúvida que propõe um cenário melhorado ao anterior, mas de forma alguma decepa a raiz do mal, com a agravante ainda de permitir a continuidade do mesmo.

Assim perdido, sabendo agora que o jogo afinal é de uma complexidade imprópria para a sua estrutura, o Governo doravante vai-se mostrar muito mais aguerrido pois é da natureza humana responder com impetuosidade quando se lida com uma realidade que mal se conhece, principalmente quando se é coxo na matéria em causa. Qualquer asserção sobre o "porquê só agora" e qualquer vontade de promover debate com base em argumentos terá sempre como resposta a necessidade de concentração na "realidade brutal" e nas "circunstâncias particularmente difíceis". Tudo o mais será considerado manobras de diversão de modo a dificultar a acção "corajosa" do Governo. E aliás, e muito pragmaticamente, argumentos é para quem tem cabeça.

Doravante teremos um Governo acordado. Não garantirá boa governação, tão pouco mediana. Garantirá somente que andará muito mais sobressaltado, o que, pelo menos, tem o condão de transmitir a grande parte da sociedade aquilo que ela não sente e que precisa de sentir: a existência de algo que anda por aí e que nos vai atingir um dia.

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