quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Curta entrevista a um credor de Portugal

QUARTA-FEIRA, 26 DE JANEIRO DE 2011


P: Boa tarde, então diga-me lá porque é que anda a exigir cerca de 7% de juros aos empréstimos que faz a Portugal.

R: Bom, sabe, a situação de Portugal é muito complicada. Tem uma das maiores dívidas totais do mundo se considerarmos a dívida acumulada do sector público, das empresas privadas, e das famílias, quando comparadas com o que a economia produz num ano.

P: E então, alguma vez Portugal deixou de honrar os seus compromissos?

R: Em boa verdade sempre o fez… mas isso não quer dizer que o possa deixar de fazer. Aliás, há uma real dose de probabilidade de isso acontecer.

P: Então é por isso que cobra mais do que cobra à Alemanha?

R: Exactamente

P: Mas não acha que ao cobrar mais faz aumentar a probabilidade de incumprimento?

R: Sim, acho, mas a lógica dos mercados é essa. Chama-se a isso o "prémio de risco". Se Portugal discorda disso, então que pague tudo o que deve, passe a ser credor em vez de devedor, e aplique esse conceito…

P: É só o facto de a dívida ser muito grande que o preocupa? Ou há algo mais?

R: Na realidade não é só a dimensão da dívida. O facto de o país não crescer praticamente desde 2000 revela que algo de estruturalmente errado se passa. E não vejo como o cenário se possa modificar. Repare, a classe política não tem uma visão para o país nem consegue desenhar uma estratégia, por incipiente que seja. Existe muita corrupção, a justiça funciona mal, o nível de instrução é ainda muito incipiente, os empreendedores são muito mal vistos pela sociedade, a carga fiscal é crescente, e o estado já consome cerca de 50% do que se produz. Não há evidências de que as coisas mudem. E mais, a demografia está a começar a ser madrasta. Aliás, este último ponto penso ainda não entrar nos cálculos do mercado. Quando entrar… então a coisa ainda pode piorar.

P: Então o que é que sugere?

R: Bom, eu não sugiro nada. Sou somente um investidor. Essa pergunta terá que ser posta a quem de direito. Cabe à sociedade Portuguesa descobrir as soluções para os vossos problemas.

P: Mas porque é que só ultimamente passaram a cobrar juros muito mais altos? Não acha injusto Portugal ter ficado ao sabor dos caprichos do mercado?

R: Bom, quanto à sua primeira questão direi que o mercado andou durante muito tempo a avaliar mal o risco de Portugal. Colocou Portugal no mesmo saco que a Alemanha. Penso que agora existe uma análise de risco bem mais real. Quanto à sua segunda pergunta direi que o mercado não tem alma. Nem tem que ter. Se Portugal se quer queixar que se queixe de si mesmo. A história diz, bem como a sapiência, que a melhor maneira para se ser independente é não estar dependente dos credores. Portugal descurou muito este aspecto deixando-se entrar numa espiral de endividamento.

P: Mas isso não poderá trazer benefícios para a economia como um todo?

R: (risos) Bom, se for para investir, isso é possível. Mas claro, só se o investimento for bem feito. Se for para financiar consumo que se traduz em importações e no crescimento de um sector público que mais não faz do que travar o crescimento da economia, então direi que não traz benefícios nenhuns. Antes pelo contrário.

P: Então porque é que nos empresta dinheiro?

R: Porque vocês o pedem. E esse é o meu negócio.

P: O que o faria cobrar juros mais baixos a Portugal?

R: Depende de muitos factores. Mas o principal tem que ver com a despesa pública. Se a mesma entrasse numa espiral de descida isso sinalizaria que a economia ficaria mais liberta e o sector privado com mais hipóteses de crescer por via da redução da carga fiscal. Por outro lado gostaríamos de sentir que o custo dos factores de produção fosse mais reduzido. Seria interessante se o IRS e o IRC fossem mais reduzidos, ainda que compensados por um aumento do IVA. Portugal precisa de exportar mais. O aumento do IVA não afecta a competitividade externa.

P: Mas isso não iria prejudicar as famílias Portuguesas?

R: Sim, no curto prazo iria. Mas se a economia melhorar por esse facto aliviam-se as famílias Portuguesas do futuro por via de taxas de juro mais baixas. Está nas mãos desta geração fazê-lo agora.

P: Está a insinuar que a geração actual é egoísta? Há quem ache que existe uma crise familiar…

R: Como credor não emito juízos de valor. Essa não é a minha missão. Mas direi que vejo a prazo alguns problemas no equilíbrio da sociedade e no seu potencial de crescimento se as suas bases forem violentadas no presente. No entanto estes são aspectos sobre os quais os mercados têm muita dificuldade em avaliar. Não existem indicadores precisos que ajudem a sua quantificação. Mas se a longo prazo a economia sofrer com isso, bom então o mercado nessa altura será muito bom a avaliar os estragos. Diria que compete à sociedade tratar hoje desse assunto. Senão ainda vemos os mercados no futuro como o bode expiatório do males gerados pelas opções erradas tomadas no presente.

P: Incomoda-o ser o bode expiatório?

R: (risos) De modo nenhum. Sabe, os credores estão habituados a serem os maus da fita quando as coisas correm mal.

P: Uma última pergunta: acredita numa intervenção do FMI? Isso é bom para Portugal?

R: Direi que penso estar para breve. É bom porque dá garantias de que algo vai ser efectivamente feito. Por outro lado é mau porque é uma prova de que os governos de Portugal não demonstraram ter capacidade de governar financeiramente o País. E isso paga-se mais caro no futuro em prémio de risco.

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