quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Montar uma nova economia

QUARTA-FEIRA, 9 DE MARÇO DE 2011

Portugal tem hoje evidentes desequilíbrios macro económicos que urgem ser corrigidos. Eles resultaram de deficientes sinais emitidos aos agentes económicos que, por instinto ou razão induzida, seguiram um determinado caminho que embora possa ser considerado racional do ponto de vista da decisão individual, se veio a provar errado quando analisado colectivamente. Considere-se o período em análise aquele que seguiu à última intervenção do FMI (1983/1984), e que antecedeu a nossa entrada na CEE e a subsequente adesão à zona Euro, até ao momento presente. Desde essa altura que nos entusiasmámos na construção uma economia voltada para o consumo em detrimento de uma economia voltada para a produção.

A configuração da nossa economia, quando analisada pelos maiores grupos económicos, não deixa de reflectir esse modelo. Maioritariamente, os nossos maiores grupos económicos trataram de desenvolver as suas actividades numa orientação claramente voltada para o consumo interno em detrimento do mercado externo. Sendo algumas dessas actividades potenciadas pelo aumento da concessão de crédito aos privados por parte dos bancos (crédito à aquisição de automóvel, compra e recheio de habitação), com pouca ou nenhuma concorrência internacional, e tendo a “bênção” governamental de acumulação de dívida como fórmula de sucesso, os nossos agentes económicos tiveram poucas dúvidas onde alocar os seus recursos.

A economia desenvolveu-se então em torno do sector da construção, distribuição, venda de automóveis, organização do consumo (a banca), e utilities (electricidade, comunicações). Tudo quanto respeite a exportações foi claramente preterido. Não é de estranhar. Sujeito a uma pressão concorrencial superior, enfrentando aumentos de salários superiores aos aumentos de produtividade, sem possibilidade de repercutir no preço a correspondente perda concorrencial, com crescentes dificuldades de acesso ao crédito (este maioritariamente destinado ao consumo interno), os nossos maiores grupos económicos tomaram opções racionais, ainda que com efeitos nocivos ao nível macro económico.

Por outro lado os Portugueses ganharam uma enorme atracção por todas as actividades económicas que suportassem o consumo. Não será caso para ficarmos admirados. A agricultura, as pescas, ou o shop-floor de uma fábrica, são locais menos apelativos a quem se encontra embriagado por um novo riquismo recém-adquirido quando comparados por um agora moderno balcão bancário, um stand automóvel, ou ainda um dos infindáveis organismos públicos. Ou seja, as operações intrínsecas que concorrem para consumir demonstraram ser vencedoras para efeitos de decisão de escolha de trabalho quando em competição com aquelas que concorrem para produzir. Muito estigma poderá também estar associado às decisões individuais tomadas. Seja como for, aquilo que poderão ter sido opções correctas ao nível individual demonstrou contribuir para o desequilíbrio macro económico.

A crise financeira internacional veio acelerar a evidência da nossa crise estrutural e obriga-nos a mudar de vida mais cedo do que esperaríamos. Por isso Portugal vai ter de ter uma viragem muito grande da sua economia. De uma economia voltada para o consumo, iremos forçosamente ter de montar uma economia voltada para a produção que se reflicta em exportações ou substituição de importações. Digo forçosamente não por uma questão de simpatia por um ou outro modelo económico, mas antes ditado pelas mais elementares regras de equilíbrio macro-económico e pelo julgamento dos mercados financeiros internacionais, que têm, nos dias de hoje, o poder de constantemente nos lembrar que se queremos ser um País independente e com capacidade de contrair / renovar empréstimos no exterior temos que seguir as tais regras elementares de equilíbrio macro-económico.

Se a economia voltada para as exportações / substituições de importações será baseada maioritariamente em salários baixos ou de alto valor acrescentado, é algo que ainda não sabemos. Depende em muito da capacidade empreendedora dos nossos empresários. Mas também depende bastante do nosso nível real de aquisição de conhecimento e de como o transformar em produto / serviço de elevado valor económico nos mercados mundiais. A combinação destes dois factores sairá potenciada se assistida por organizações eficientes rodeadas por variáveis de contexto favoráveis. Neste ponto realço a Justiça, factor fulcral na ajuda ao florescimento de organizações de excelência.

Estando assente que a nossa economia deverá ser primeiramente voltada para o exterior, há que actuar psicologicamente sobre os medos que nos têm assolado, e que têm que ver com o nosso receio do insucesso quando em competição aberta. Este medo é infundado. A Globalização tem que ser considerada o nosso palco preferencial de actuação, não só pelos frutos que daí poderão advir, mas acima de tudo porque é o palco onde o Português se pode dar naturalmente bem. Operar globalmente não é nada de novo para o nosso povo. Aliás, fomos, muito provavelmente, o primeiro povo a conduzir operações à escala global, ao que não será alheia a nossa boa capacidade de relacionamento com o “Outro”. A “libertação” do Português da dependência do Estado para tudo é fundamental de modo a que o Português ganhe uma outra maioridade. Para isso temos de ter uma sociedade menos dependente do Estado e um Estado muito mais pequeno.

Penso ser hoje geralmente aceite que não é mais possível continuar a viver em constante défice e acumular mais dívida pública e privada. Esse modus vivendi a que nos acomodámos e tomámos como eternamente adquirido vai ter de acabar. Doravante a palavra de ordem terá de ser “Excedente”, ainda que para isso tenhamos que proceder a muito sacrifícios de curto e médio prazo. Só assim conseguiremos transformar a nossa economia naquilo que ela terá que ser.

A correcta compreensão do exposto e a emissão de estímulos conducentes à aceleração das infindáveis decisões individuais de todos os agentes económicos são o principal desafio que os próximos governos terão pela frente. Não ver isto é avalizar o já contínuo definhamento da nossa economia, o que, e a prazo não muito distante, conduzirá a turbulências económicas e sociais difíceis de quantificar.

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