quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Os Portugueses e a Economia

DOMINGO, 17 DE ABRIL DE 2011

Por vezes dou por mim a pensar porque será que os Portugueses têm uma relação dificílima com a economia. Sempre notei um constante mal-estar no meu círculo de relações sempre que as questões da economia são abordadas, mal-estar esse que vou percebendo que talvez se estenda a toda a sociedade portuguesa. Vale a pena enumerar alguns aspectos e perceber como eles são e como os Portugueses os vêm.

1. O primeiro é que todos percebem imenso de economia. Já sabemos que a voz da ignorância se arroga em falar mais alto do que a do especialista no nosso Portugal. Mas é extraordinário como no domínio da economia este defeito atinge proporções sem paralelo. E que não se julgue que são os sectores menos letrados que assim se comportam. Pelo contrário. Qualquer licenciado em botânica ou filologia está sempre pronto a rebater com propriedade o que um economista tem a "ousadia" de dizer. E nem me atrevo a dar o exemplo dos advogados…

Para nossa infelicidade os nossos economistas não são devidamente ouvidos, embora tenhamos um naipe excelente deles. Alguns até leccionam lá por fora em universidades de renome mundial. Mas outros leccionam por cá e em nada lhes são inferiores. Mais uma vez neste espaço o digo. O difícil momento que aí vem (e não se pense que ele é difícil agora pois quando compararmos o agora com o que aí vem acharemos o agora um mar de rosas) foi previsto há mais de 10 anos por alguns dos nossos economistas no caso de se seguirem as políticas que infelizmente acabámos por seguir. Tenho esperanças que aprendamos com a lição e que passemos a ouvir com mais atenção quem é conhecedor.

2. O segundo aspecto consiste em julgarmos que a Economia deve ser justa. Obviamente a Economia não pode ser justa. As pessoas é que o podem ser ou não. As coisas são como são e de pouca assistência serve desabafarmos com as pseudo “injustiças” da economia. Por exemplo, decorrente de um processo de despedimento (tomemos o exemplo actual dos bancos) as pessoas insurgem-se contra a situação como se fosse o fim do mundo. Eu não espero que as pessoas celebrem o facto de terem sido despedidas. Sem dúvida que são momentos difíceis. Mas felizmente a sociedade construiu mecanismos que mitigam a dor. Existe o subsídio de desemprego e existem inúmeros apoios institucionais que facilitam a tarefa de quem procura trabalho. O que acontece é que os Portugueses em particular resistem a qualquer tipo de mudança. Ora, a economia, como ciência social que é, muda. E quanto mais depressa decorrerem os processos de ajustamento mais reforçada sai a economia e mais beneficiam os Portugueses do futuro (essa mole humana que anda a ser demasiado esquecida tal o egoísmo e as vistas curtas dos Portugueses do presente). Como na morte e na vida, o problema não é tanto os trabalhos que se perdem de forma natural, antes reside naqueles que não são criados de forma natural.

Tomemos o seguinte exemplo. Se nos magoarmos é natural que tenhamos dor física. Penso ser do consenso geral que não não vale a pena revoltarmo-nos contra Deus por sofremos de dor física. Deus fez-nos assim e aceitamo-lo com naturalidade. Para ultrapassar a dor o homem até criou mecanismos de a mitigar. Resta aproveita-los, coisa que aliás fazemos com frequência. O mesmo se passa com prazeres que tínhamos e que nos é aconselhado abdicar. Quantas pessoas não passaram a estar proibidas de comer aquelas coisas boas de que todos gostamos? Calculo que também não seja sensato revoltarmo-nos com Deus por os médicos nos proibirem de comer presunto e queijo da serra acompanhado com um bom vinho. Como na vida, a economia tem sobressaltos que são mais ou menos turbulentos, e que implicam algumas mudanças. Resta aceitá-las e “partir para outra”. Já agora pode ser útil ponderar que vêm a público mais os casos dramáticos resultantes dos ajustamentos do que os casos onde as pessoas agradecem a mudança a que a Economia as obrigou a fazer.

3. Um terceiro aspecto é que os Portugueses passaram a acreditar no poder omnipotente de alguém para mitigar as imperfeições da Economia. A Economia de mercado é uma bênção se for bem regulada e compreendida nas suas limitações. Se esperarmos mais do que ela pode dar e se a não regularmos convenientemente então temos problemas. Internacionalmente vivemos agora o rescaldo de uma situação com origem numa fraca regulação. Nacionalmente estamos a viver uma agonia que se vai acentuar por acreditarmos em personalidades que nos diziam que o “el dorado” estava ao virar da esquina se consumíssemos mais do produzíamos (Cavaco Silva, Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e Sócrates). Cada um à sua maneira, todos se deram mal com a sua relação com a economia ao subestimar sempre o poder das forças que dela fazem parte.

4. O último aspecto tem que ver com o facto de os Portugueses pensarem que estão no centro das atenções e que o mundo gira à sua volta e à velocidade que eles pensam que deveria ser a adequada. O mundo não funciona desta forma, e aquele estado de graça que nos quiseram vender do bom aluno que tinha aderido à CEE foi o maior calote económico feito à cabeça dos Portugueses. Já nessa altura havia um outro mundo que estava a andar muito depressa e cheio de vontade de sentar à mesa. Esse outro mundo é constituído por, de entre outros, Chineses, Indianos, Indonésios, e Brasileiros. Por junto apresentam-se com cerca de 4 biliões de seres humanos, todos eles com vontade de correrem e de serem competitivos. Ha, e mais, são quase todos nossos credores.

A incapacidade dos Portugueses perceberem a Globalização económica é confrangedora. Perfeitamente assustador observar a ignorância e o medo de cada vez que os Portugueses captam alguma informação que possa contrariar a ideia do mundo tal e qual ele deveria ser na nossa cabeça.

Tenho muita esperança que as provações por que iremos passar nos dêem o discernimento de ouvir quem sabe, de percebermos melhor a economia e o que dela se pode esperar, de interiorizarmos que as forças que as movem devem ser lidadas com inteligência, e que o mundo não acaba nas nossas fronteiras. E acima de tudo, como que numa combinação destes elementos, percebermos que está ao nosso alcance montar uma economia diferente daquela que hoje possuímos. Haja para isso inteligência, boa estratégia, e audácia.

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