quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ricardo Salgado e os novos sinais

SEXTA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2010

Portugal teve um sinal de mudança que deverá ter escapado a muitas pessoas e que revela bem as dificuldades de financiamento que Portugal encontra neste momento. Esse sinal reside no facto de Ricardo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo, ter deixado de considerar, em meados de Julho de 2010, que o financiamento dos grandes projectos deveria ser adiado ao dizer "Claro que não é este o momento para financiar grandes projectos. Não é aconselhável o financiamento a grandes projectos". Que é como quem diz, todo o dinheiro que vier lá de fora é para financiar a actividade corrente. E se possível também para ser canalizado em novos projectos privados.

No mesmo mês de Julho de 2009 Ricardo Salgado dizia “O TGV para Madrid é fundamental” e “Para relançar a economia precisamos, mais do que nunca, de fazer estas infra-estruturas. O aeroporto é absolutamente estratégico.”

Sei que existe uma diferença entre o que se acha que se deve fazer e a consciencialização de quando se o deve fazer. Sei também que as circunstâncias mudam, e que isso pode influenciar a calendarização de projectos. O que acho surpreendente numa pessoa informada e inteligente como certamente é Ricardo Salgado, é como em 2009 parecia não medir ainda com rigor a dificuldade de financiamento que a economia Portuguesa iria estar sujeita em 2010. É que em 2009 já se falava na questão dos défices públicos e dívidas acumuladas públicas e privadas de um país. Aliás, a história dá ensinamentos de que após as crises financeiras existe o risco de ocorrerem crises orçamentais, pelo que não é de estranhar que estes assuntos já fossem falados na altura.

Não duvidando que Ricardo Salgado se preocupasse com o tecido empresarial português, com a capitalização insuficiente de muita PME, com os prazos de pagamento praticados pelo sector público, com o nível da despesa do Estado, e com a secagem do mercado interbancário europeu quando surgissem os primeiros sinais de real preocupação internacional com o problema das dívidas públicas e privadas, é curioso reparar como ainda sobrava espaço para falar em NAL e TGVs. É que nessa altura era já fácil de concluir que o somatório de todas essas preocupações seriam mais do que suficientes para deixar de falar nesses projectos. E já nem vou ao fundamento real dos mesmos.

Sabendo da histórica influência que o BES tem em Portugal, é muito bem-vinda a sua inversão da percepção das prioridades. Cuidar da tesouraria e adequar os capitais das empresas portuguesas deve ser a principal prioridade dos banqueiros no presente, assim como o cuidado nos novos projectos privados para a criação de reais postos de trabalho. Também o incentivo das actividades exportadoras é de importância extrema para fazer crescer Portugal e permitir que em momento posterior possamos ter os nossos “dislates” (tanto quanto existe lógica em ter “dislates”). Não se duvide, só com o aumento das exportações conseguiremos crescer no futuro próximo. É saudável saber que as exportações têm crescido a bom ritmo e para novos mercados. E é bom saber que Ricardo salgado está muito sensível para a questão a avaliar pela entrevista dada à CNBC em Agosto de 2010.

De um banqueiro que sempre falou em crescimento orgânico como pilar de crescimento do banco que dirige, que nos anos da euforia sempre disse que lhe parecia que os bancos à venda em Espanha lhe pareciam caros e que privilegiaria o crescimento orgânico (para ambas as posições a história encarregou-se de lhe dar toda a razão), espera-se que neste difícil momento em que vivemos continue a acertar nas suas posições. E também que mantenha a mesma fleuma a que nos habituou. Se assim o fizer até esqueceremos as manifestações mais acaloradas e recorrentes que fez aquando do uso da golden-share por parte do governo no caso da Vivo. Está no seu direito, mas talvez fosse bom não demonstrar tanto que estamos mesmo muito aflitos de liquidez.

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