quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Saber reconhecer os problemas a tempo e saber comunicá-los

DOMINGO, 5 DE JUNHO DE 2011

A Europa não se tem demonstrado exemplar em comunicar os seus problemas com os seus cidadãos. Senão atentemos ao artigo que hoje vem publicado no jornal Público.

Estudo indica queEuropeus do Sul trabalham mais do que os Alemães


Os europeus do Sul trabalham muito mais e por vezes durante mais tempo do que os alemães, refere um estudo que contraria as recentes declarações da chanceler alemã sobre um eventual laxismo social em Portugal, Espanha ou Grécia.


Os alemães trabalham muito menos [por ano e durante a vida activa] que os europeus do Sul. E também não trabalham de forma tão intensiva”, assegura Patrick Artus, chefe da secção de economia do banco francês Natixis e o redactor deste estudo, que se baseia designadamente nos números da ODCE e Eurostat.


A duração anual média do trabalho de um alemão (1390 horas) é assim muito inferior à de um grego (2119 horas), de um italiano (1773 horas), de um português (1719 horas), de um espanhol (1654 horas) ou de um francês (1554 horas), referem as estatísticas publicadas em 2010 pela OCDE.


“O resultado da produtividade individual da Alemanha está na média dos países do Sul, a da produtividade horária está acima da média mas não é melhor que a da França ou Grécia”, precisa o Natixis.


A idade legal para a reforma na Alemanha (65 anos actualmente, 67 no futuro) é mais tardia, mas os portugueses e espanhóis trabalham na prática mais tempo, com uma idade efectiva de início da reforma de 62,6 anos e 62,3 anos, contra 62,2 anos para os alemães, refere ainda o estudo.


Os gregos não estão distantes desta média (61,5 anos) e a reforma das aposentações adoptada na primavera de 2010 na Grécia impôs o aumento da idade dos 60 para os 65 anos, com o objectivo de garantir uma idade média de 63,5 anos até 2015. Apenas franceses e italianos garantem hoje a reforma mais cedo que os alemães, precisa o estudo com data de 30 de Maio.


Em meados de Maio, a chanceler alemã, Angela Merkel, criticou publicamente as férias e os sistemas de reforma dos países do Sul da Europa, que considerou demasiado generosos. “É necessário que em países como a Grécia, Espanha, Portugal não seja garantida a reforma mais cedo que na Alemanha, e que todos façam os mesmos esforços, é importante”, disse na ocasião.


“Angela Merkel não refere quais os verdadeiros problemas dos países do Sul da zona euro”, conclui o chefe economista do Natixis.


A senhora Merkel não foi feliz na apreciação que terá feito. Criou mais confusão onde claramente precisamos de mais clarividência. Parece unânime que os países do Sul estão a precisar de uma lição de como viver ao nível das suas possibilidades e de como viver numa união monetária sem recurso à desvalorização da moeda como factor de competitividade. Os descalabros financeiros aí estão para provar que nos temos de vestir de modéstia e realidade. O que a senhora Merkel poderia ter feito, e integrando o discurso no contexto da crise orçamental em curso, seria dizer que os Alemães trabalham melhor e que vendem produtos de muito maior valor acrescentado. Ou seja, produzem muito mais para a mesma unidade de tempo, e aquilo que andam a produzir tem, em média, muito mais valor económico. E cumulativamente não são gente que coloque a carroça à fente dos bois, ou seja, não se endividam a torto e a direito, nem para comprar casa (por lá a percentagem de arrendamento ronda os 70%).

Poder-se-ia não apreciar discursos desta natureza, mas os países do sul têm que perceber que entraram num campeonato muito sério. A zona euro não foi feita para nos divertirmos a consumir mais do que produzimos e para nos dar taxas de juro baixas que potencia ainda mais esse hiato entre consumo e produção. E a propósito da zona Euro talvez valha bem a pena reflectirmos profundamente sobre o que um proeminente pensador europeu disse há uns 22 anos. Pena é que este tipo de reflexões não sejam produzidas nos nossos debates políticos...


Até certa medida os mercados financeiros de dívida soberana podem exercer uma influência disciplinante. Os investidores tendem a responder aos diferentes desenvolvimentos macroeconómicos de cada país e região, avaliando as respectivas politicas orçamentais e situações financeiras, penalizando os desvios às orientações acordadas em matéria de orçamento ou salários e, assim, exercendo pressão no sentido de melhores políticas. Contudo, a experiência sugere que os mercados nem sempre oferecem sinais fortes e determinantes e que o acesso a grandes mercados de capitais pode, por algum tempo, ser usado por alguns países para ajudar a financiar (disfarçar) os seus desequilíbrios económicos.

Ora, a experiência diz-nos ainda que, em vez de permitir uma adaptação gradual dos custos (juros cobrados), a opinião dos mercados sobre a credibilidade de devedores oficiais (países, governos e afins) tende a mudar de forma abrupta e pode, no limite, fechar totalmente o acesso dessas entidades aos mercados de financiamento. As restrições impostas pelos mercados podem, portanto, ser muito lentas ou totalmente repentinas e disruptivas. Por isso, os países têm de aceitar que a partilha de um mercado comum e de uma moeda comum impõem restrições às políticas individuais.

Isto é uma parte do relatório Delors, e cuja tradução acima recebi do meu ilustre amigo Nuno Marques (o sublinhado é meu).

O conhecimento nos dias de hoje é abundante. É responsabilidade do povo saber empossar quem melhor possa viabilizar o conhecimento existente e quem melhor souber alertar o povo para as dificuldades futuras. Cavaco Silva, Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, e Sócrates não souberam ler, e interiorizar, o que a pequena tradução acima poderia significar e de como as suas políticas validaram os temores então levantados no texto. Doravante iremos sofrer com isso. Hoje não se reconhece e interioriza que a questão demográfica irá ser o maior problema de Portugal a partir de 2025. A partir de 2025 eles irão sofrer com isso.

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