quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Querido Líder

Morreu o querido líder, e o artido Comunista Português enviou as suas condolências. A situação é divertida, quando vista de fora – porque para quem vive na Coréia do Norte não deve ser tão divertida como isso. O país deve parecer a Sede da Soeiro Pereira Gomes, mas à escala nacional. Ou seja: quando atravessamos à saída a soleira da porta da Sede do PCP no Rego, podemos enfim respirar de alívio e regressar à Liberdade e à Democracia na cidade de Lisboa. Em Pyongyang, pelo contrário, estar dentro ou fora da Sede do Partido é indiferente, porque Partido, Sede e País são tudo a mesma coisa.

Único representante do comunismo estalinista, a Coréia do Norte traz à memória o roteiro turístico que o mundo marxista-leninista desde 1917 nos legou: paraísos do operariado, desde a Albânia à RDA. Tudo lugares maravilhosos, de onde os residentes queriam fugir a todo o transe, mas para onde ninguém queria ir viver. Bem enganados hão-de ter sido os comunistas na clandestinidade, antes do 25 de Abril, para acreditarem que aquilo era o melhor que o futuro tinha para reservar. E veja-se bem que a geografia política nos conseguiu oferecer essa pérola do antagonismo, colocando paredes-meias o mais anacrónico regime comunista com o mais desenfreado representante do capitalismo. Porém - pergunte-se ao intelectual de esquerda mais bem pensante português: a ser-lhe dada a escolha, preferia viver o resto da sua vida na Coréia do Norte ou na Coréia do Sul?!
Está claro que, tratando-se de paraíso, tem que ter anjos, santos e beatos. O Kremlin e a múmia do grande inventor da URSS estão lá para nos apresentar aquilo que se tem visto na Coréia do Norte. Tem sido sugerido que as imagens de operárias em transe colectivo de choro, e de generais e dignitários de cabelo pintado e ar pesaroso, em cortejo diante das relíquias do querido líder, se tratam de meras encenações. Por mim, antes prefiro que seja de facto assim – orque não o sendo, significa que aquela gente está mesmo com saudades do tirano, e nesse caso, podia transformar-se a Sede em manicómio, e declarava-se a estultícia colectiva dos norte-coreanos. Acresce que este Kim sucedeu a outro Kim, mas vai suceder-lhe outro Kim. O que significa que - mais Kim, menos Kim - vai tudo ficar na mesma. Não se vê portanto motivo para tanto lamento.

O argentino Jorge Luís Borges elaborou, há uns bons anos, sobre a sua teoria pessoal da imortalidade, a que chamou «leonidade». Explica-se em poucas palavras: o leão que vemos hoje no jardim zoológico é essencialmente o mesmo que viram os nossos bisavós. Os animais, de um modo geral, mantêm-se inalterados e, salvo um ou outro domador de feras que os sabe recordar depois de mortos, são de alguma maneira arquetípicos. Os norte-coreanos fariam bem em ler a teoria de Borges e enxugar as lágrimas, percebendo que o seu querido líder é imortal - ainda que por vezes mude ligeiramente de aparência. Orwell deu-lhe um nome: Big Brother.

A não ser que se descubra que afinal os norte-coreanos desesperam há 3 gerações que o futuro lhes traga a Kim porque tanto suspiram. Kim Basinger.

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