sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O PROCESSO OU O RESULTADO?!

Há muitos anos que intuí que o célebre «Appocalipse Now!» de Francis Ford Coppola só aparentemente é um filme de guerra sobre o Vietname. Esta leitura ficou naturalmente mais facilitada quando descobri que o guião do filme se tinha moldado sobre um clássico da literatura ocidental da viragem do século XIX para o século XX: «The Heart of Darkness», de Joseph Conrad. Assim, também a presente peça não é - ao contrário do que à primeira vista poderá parecer – um artigo sobre futebol.

O livro de Conrad narra a sucessão de obstáculos que Marlowe deve superar, subindo o Rio Congo, ao encontro de Kurtz. No filme de Coppola, Marlowe torna-se Captain Willard (interpretado pelo jovem Martin Sheene), ao encontro de Curtz/Marlon Brando. Na melhor tradição épica do Ulisses de Homero, é mais importante a superação dos obstáculos do que a concretização do objectivo final do herói. Na verdade, uma vez superados os obstáculos, e com o alvo do périplo ao alcance da mão, tanto Marlowe (em Conrad) como Willard (em Coppola) se questionam sobre o sentido de concretizar o objectivo final. A cultura greco-romana transmutava a vida do Homem em metáforas e símbolos: Hércules tinha que vingar numa série de trabalhos para provar que era um Deus. O importante são os trabalhos, ou o objectivo?!

Eça de Queirós elaborou, nos parágrafos finais de «Os Maias», sobre o tédio de quem se desinteressa dos resultados materiais, porque compreende que as coisas finitas não são merecedoras do esforço desmesurado que a raça humana faz no seu sentido.

Ulisses errou 10 anos até regressar a Ítaca. Somam-se aos 10 anos em que tinha estado na Guerra de Tróia. Ítaca era somente o destino final e necessário para aproar o barco – mas aquilo que verdadeiramente interessa é a superação das dificuldades, que evidentemente são a metáfora de vida de todo o homem. O rio que sobem Marlowe e Willard é o verdadeiro curso da sua vida.

Vem isto a propósito do cidadão búlgaro Valeri Bojinov, das censuras e opróbrio que publicamente tem sofrido, a propósito do penalty que falhou num jogo do seu clube. O jogador de futebol desobedeceu, e deve ser punido, quanto mais não seja para exposição pública – de tal modo que os colegas de equipa aprendam pelo exemplo. Até aqui, tudo certo, mas assalta-nos uma pequena dúvida: o jogador teria sofrido as mesmas censuras se tivesse convertido o «penalty», dando a vitória nos minutos finais ao seu clube?! Ou posta a coisa noutros termos: o que teriam feito os dirigentes que agora o censuram em côro se a bola tivesse entrado?! Ou ainda, e finalmente, de modo mais próprio da sociedade neo-liberal que é a nossa: o que importa é o processo ou o resultado?!

Nenhum comentário:

Postar um comentário