segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A Grécia passada e Portugal futuro



O jogo das diferenças entre Portugal e Grécia continua a ser uma das melhores matérias-primas das gentes que têm a ingrata tarefa de estudar e descrever a economia e a política nacional. O assunto não é novo – é conhecido, por exemplo, o parágrafo em que Eça de Queiroz compara Portugal à Grécia, apontado os mesmos defeitos a ambos os povos, mas lembrando que os portugueses não criaram um religião, não têm uma literatura universal, nem criaram o museu humano da beleza da arte. A tautologia, no entanto, avança nos dias de hoje como se fosse absolutamente necessária para salvaguardar as honras da pátria e garantir a salvação da economia portuguesa. É discutível se existem honras ou economia para salvar, é certo, mas parece haver unanimidade em apontar a instabilidade social como principal diferença entre os dois países.

Em dia de aprovação de mais um pacote de austeridade, as imediações do parlamento grego voltaram a transformar-se num palco de batalha marcado por gritaria, pedras, fogo e destruição, tudo e mais alguma coisa, enfim, o panorama completo. Isto é dramático porque representa a não existência de condições básicas para o desenvolvimento daquilo em que os gregos são realmente bons. Não há espaço para as artes ou para a filosofia quando é preciso arranjar forma de pôr comida na mesa para sobreviver. E a triste ironia que se abateu sobre os gregos reside nessa impossibilidade de continuar o processo de civilização e refinamento que os próprios gregos iniciaram.

O problema da instabilidade social não é tão grave cá no burgo e a economia parece encaminhada (desde que se consiga resolver o desafio do pastel de nata e se aumente as exportações). O problema, aliás, é o oposto: mesmo que se consiga a difícil tarefa de garantir condições básicas de existência, o país parece ter muito poucas hipóteses de cumprir o sonho de Pessoa e construir uma arte plural e representativa. E é por isso que nos melhores momentos da nossa produção artística actual se exclama: «Portugal está para acabar; é deixar o cabrão morrer». O mais certo, no entanto, pela minha curta experiência de vida portuguesa, é que tudo continue exactamente como está.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bem vindo, Frederico! O Pedro já tinha falado da qualidade da prosa. Permita-me porém uma observação. Para mal dos nossos pecados, quem lê os documentos da 2ªmetade do século XV e do século XVI interroga-se sobre o que fizeram 5 séculos para transformar aqueles portugueses naquilo que hoje somos. Quando isso aconteceu, já a Grécia tinha iniciado os seus 5 séculos de ocupação turca, que acabou no século XIX.

Antes disso, a Grécia clássica (de há 25 séculos) começara a sofrer: uma ocupação macedónia; outra romana; bizantina; incursões venezianas. A monarquia grega, por exemplo, durou menos de 100 anos, e a dinastia era dinamarquesa. O que vale por dizer que, tal como sucede com o antigo Egipto, e aquele que hoje temos - todos os méritos que Eça aponta aos gregos só dificilmente encaixam nos tempos e habitantes de hoje...

Abraço, JLSaldanha

Anônimo disse...

Obrigado pelo comentário. A minha falha está talvez no segundo parágrafo, onde escrevi «os gregos são», devia ter escrito «os gregos eram». Há méritos que se perdem (transformam) no tempo, é verdade, e o objectivo do texto também é esse: expor o patriotismo bacoco com que tantas vezes se exalta os méritos que Portugal já teve e agora não tem. O parágrafo de Eça serve para perceber que mesmo os antigos méritos de Portugal não são comparáveis aos de muitos outros povos, como é o caso da Grécia.

Mas nem tudo é mau. Ficou-nos como herança, por exemplo, uma boa capacidade de comunicação intercultural que nos vai servindo para «valsar» com chineses e árabes.

Abraço,
Frederico

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