sábado, 17 de março de 2012

Os pobres do turismo

Ouvia-se bem o movimento cansado dos maxilares com que as crianças moíam as batatas fritas de pacote na boca. As mães, distraídas com as crianças, puxavam-nas pelo braço sem razão aparente e os pais aproveitavam para passar olhares delambidos por algumas capas de revista onde mulheres seminuas e famosas se expunham ao lado de veículos motorizados. De vez em quando, atravessavam-se também homens suados em tronco nu e mulheres gordas em bikini sem que ninguém parecesse sequer incomodado com a situação. Estavam quase quarenta graus de verão e era normal as pessoas passearem-se assim. Sobretudo numa bomba de gasolina como aquela, tão perto da praia, onde cada família aproveitava para fazer as últimas compras para o farnel diário. Com efeito, até os filhos mais velhos contribuíam com algumas moedas para adquirir atum em lata, papos-secos, jornais desportivos, tudo o que fosse essencial para o resto do dia. O arraial, depois, prosseguia em direcção à praia, com toda a família equipada com óculos escuros de imitação, toalha ao ombro e chinelo no pé. Pelo caminho, o cheiro do peixe frito saído das tascas confundia-se com o cheiro das batatas de pacote, demasiado amolecidas já pelo sol para serem comidas e portanto deixadas ali no chão para gáudio dos cães vadios. No areal, por fim, com metro e meio de espaço por pessoa, celebrava-se então o triunfo de mais um dia de férias aproveitado ao máximo de barriga para o ar.

Estava-se no Algarve e as praias dos ricos podiam avistar-se alguns quilómetros ao lado. Mas não havia misturas. Nem sequer problemas. A ausência de estratégia dos planeadores turísticos permitia espaço para todos. Sobretudo para os pobres, uma vez que num prédio construído à beira-mar cabiam muito mais pessoas do que nas casas de luxo dos ricos. E desse modo os pobres iam dando a cada verão o seu inestimável contributo para o sector do turismo. Ninguém parecia lembrar-se que para se exportar nem sempre é preciso sair do mesmo lugar. Ninguém parecia interessado em trazer os ricos dos outros países. E isso era excelente para os pobres da nação, que podiam assim continuar a fazer vida de pobre, protegidos pelo estado e sem que ninguém os chateasse.

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