quarta-feira, 9 de maio de 2012

O legado da nossa miséria


Não deve haver mais do que trezentas pessoas interessadas na produção de Ricardo Rocha. O fado, inserido no contexto musical, já não está sequer imunizado contra as tentativas de exploração mercantilista. Mas a guitarra portuguesa continua a ser um palco pequeno. Tocar em público é escusado e inútil. As tascas tradicionais são a forma de resistência possível, mas até aí a composição para guitarra portuguesa está condicionada aos seus limites. É um instrumento sem futuro que nunca se vai conseguir libertar do fado. Ricardo Rocha conseguiu, ainda assim, levar a guitarra portuguesa a outro nível e criou um reportório solista para um instrumento que não tinha esse reportório. Antes dele, só o Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral. Agora não é possível ir mais longe, já não há nada para compor, a guitarra existe para acompanhar a música tradicional portuguesa, desempenha um papel fundamental nesse sentido, mas não vale a pensa pensar que o instrumento alguma vez vai ser mais do que aquilo que é.

No meio disto tudo, Ricardo Rocha começou a tocar piano aos dezasseis anos e tem algumas peças para piano nos seus cds. É o seu instrumento preferido, pelo som e pelas capacidades quase ilimitadas de composição, mas diz que começou a tocar tarde demais e que não é pianista. Assim, o que me interessa nesta história está na tensão entre estes dois instrumentos: a guitarra portuguesa, que é um instrumento limitadíssimo, fisicamente difícil de tocar, doloroso, agudo, e o piano, que é um prazer com as suas possibilidades quase infinitas de composição. E Ricardo Rocha podia ter sido pianista, mas pegou na guitarra do avô quando ainda mal sabia andar e nasceu assim preso aos limites do seu próprio passado. A condição trágica, afinal, de qualquer português. E tudo isto é triste, tudo isto é fado.

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