quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ridículo e miséria da servidão voluntária


Não é só o medo. Como La Boétie explica no Discurso da Servidão Voluntária, as populações assumem a coerção e tirania dos mais poderosos também por consentimento próprio. É de forma voluntária que a multidão dirige os seus esforços absurdos à prisão imposta pelo consumismo desenfreado, desfilando desvairadamente pelos corredores de supermercados e atropelando-se em busca do aproveitamento mercantilista de promoções engendradas por departamentos de marketing absolutamente mirabolantes. A malta tem que pôr comida na mesa, percebe-se, mas pelos vistos também precisa de carrinhos cheios de cosméticos, refrigerantes e iogurtes maricas com pedacinhos de fruta cortada. De facto, com o progresso do sistema capitalista, das necessidades primárias passou-se também à produção e ao consumo de um catálogo sem fim de superficialidades. Desse modo, a campanha do Pingo Doce apoia-se no desespero do país para levar a população a consumir a preço de saldo produtos supérfluos que de outro modo não consumiria tão facilmente, tirando ao mesmo tempo partido da situação de forma a criar uma onda de euforia e publicidade à sua volta. E sabe bem pagar tão pouco.

O consumidor não tem dignidade em condições destas e é a própria ânsia pelo consumo que dita a lei. Perante isto, a única postura inteligente é a da contemplação, com humor, do ridículo da ocorrência, reparando na forma gregária como as pessoas se voluntariam para a desordem e para a anarquia como se o mundo fosse acabar. Podia ser o cenário de um livro de Albert Cossery. E assim sendo é absurdo criticar o Pingo Doce, as leis do consumo ou o desvirtuamento do feriado. A violência é inócua, não nos resta outra alternativa senão o escárnio. E por isso temos que rir, sobretudo, mas também perceber que é triste ver esta gente comprar a felicidade num supermercado.

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