sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Programa cautelar? Ou outro resgate?

Lá por Abril Portugal irá tomar uma decisão importante: como sair do programa de ajustamento? Fala-se numa saída airosa à “irlandesa” ou numa saída com um programa cautelar? Neste momento o pessoal político de serviço e com palco na comunicação social vai dando exemplos de pura infantilidade quanto ao modo como olham para a questão já que se limitam a observar o assunto pelos óculos partidários. O pessoal dos partidos do governo parecem aqueles gestores que só pensam nos resultados trimestrais, completamente alheios sobre o que verdadeiramente pode fazer mais sentido para a empresa, e com o pensamento único no bónus trimestral. Avaliam obsessivamente indicador a indicador com o fito de ganharem pulso para a decisão eleitoralmente mais conveniente. Do lado da oposição, que deveria ser mais responsável do que é, torce-se para que as coisas não corram tão bem até lá pelos mesmos motivos eleitorais. A esquerda radical faz a única coisa que sabe fazer: berrar.
 
Genericamente todos falam de acordo com estados de alma sem se socorrerem da incómoda, mas útil, análise fria e racional. E quando os estados de alma campeiam em matérias tão importantes, então de ciência certa estamos perante um problema geral de falta de clarividência. Assim, e por saber que esta é melhor servida se colocarmos as perguntas à frente das respostas, entendo que a classe dirigente prestaria melhor serviço se fosse mais expedita nas perguntas do que o é nas respostas. Da minha parte tenho algumas, a saber:
 
1.       Será que três anos após o ajustamento o povo português está preparado psicologicamente para “andar à solta” quando sabemos que o mesmo povo deu luz verde a uma série de vendedores de ilusões (Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, e José Sócrates)?
 
2.       Sabendo que já fomos intervencionados por três vezes em 37 anos de democracia, e porque em democracia queremos viver, será que em três anos ganhámos verdadeiramente, como povo, consciência que temos que enveredar por outros padrões de comportamento, outras atitudes, e outras expectativas onde o encontro entre direitos e deveres sejam mais equilibrados, e as exigências estejam mais de acordo com o que a economia pode dar?
 
3.       Sabendo que o líder do PS e os seus acólitos de serviço são os mesmos que também nos enfiaram no buraco, sabendo que a sua cartilha não mudou, sabendo que ainda não perceberam que a sociedade portuguesa e o seu modo de vida teria de mudar, será que é razoável correr o risco de deixar o povo português entregue, ainda que parcialmente, a pessoas completamente fora da realidade e sem a mínima noção que com poder nas mãos irão praticar actos irresponsáveis?
 
4.       Sabendo ainda que temos na direita portuguesa um ministro da economia que ainda pensa que o consumo interno tem que ser estimulado, sabendo que não está só, a avaliar pelos subscritores da sua moção de Junho de 2013 (e a macro economia não muda muito em seis meses ou um ano, e se não viam nessa altura que a economia estava a mudar, então não podem ocupar cargos no Ministério da Economia), será que isto não é matéria que dê que pensar sobre as alternativas que temos à direita que nos façam acreditar que alcançaremos excedentes crónicos na balança com o exterior nas próximas décadas?
 
5.       Sabendo que o barco anda fortemente adornado à esquerda, será razoável pensar que poderemos no futuro próximo correr o risco de incumprimento, reescalonamento da dívida, perdão parcial, ou outro mecanismo de perda para os credores?
 
6.       Sabendo que temos historicamente elites fracas e uma sociedade que dá 10 vezes mais ouvidos à voz irresponsável do que à voz responsável (a começar pela comunicação social), sabendo que a sociedade ainda não é suficientemente exportadora que nos dê aquele sentido de maioridade que nos faça perceber que o sucesso depende de nós e do esforço colectivo, será que estamos preparados para sozinhos pensarmos sobre o que melhor nos convém?
 
7.       Sabendo ainda que a capitalização das nossas empresas é insuficiente, sabendo que esta parcela do ajustamento é muito importante e que ainda está longe de ser feita, sabendo que este processo demora muito mais tempo a levar a cabo, será que é razoável deixarmos a nossa banca desprotegida com todas as implicações que isso possa ter em termos macro económicos e consequentemente ao nível dos juros que nos são exigidos?
 
8.       Sabendo que a reforma do Estado foi deixada formalmente para o fim desta legislatura, quando deveria na práctica ter sido uma das primeiras prioridades, sabendo que nenhum político da esquerda à direita quer essa batata quente, será que estamos em condições de sozinhos, enquanto povo, de enfrentar os interesses instalados na função pública e assim permitir melhorar a produtividade dos serviços públicos?
 
9.       Sabendo que a questão da sustentabilidade da Segurança Social é um tema incontornável, sabendo do sarilho demográfico que temos com todas as implicações no sistema, sabendo que necessitamos de um plano mais sustentável de financiar o sistema e/ou de reduzir os encargos actuais, será que sozinhos teremos mais graus de liberdade para actuar?
Tenho muitas dúvidas que após três anos a sociedade portuguesa no geral esteja em condições de viver sem a ajuda muito próxima dos nossos parceiros. Três anos não são suficientes para um povo se consciencializar das asneiras cometidas e, consequentemente, de uma maneira sólida, dar continuidade aos novos comportamentos que entretanto foi assumindo, nomeadamente se lhe aparecer pela frente um novo vendilhão de ilusões. E tão pouco três anos são suficientes para que uma classe dirigente menor perceba que o jogo como era jogado acabou de vez, em vez de pensar que o que ocorreu foi um intervalo um pouco mais prolongado e que está na altura de voltar a entrar em campo. Portugal, embora em recuperação, ainda apresenta muitos sintomas de que pode de novo vacilar se for deixado à sua sorte. Um bom decisor político olha a estes aspectos e coloca a si mesmo e aos seus conselheiros perguntas da natureza como as que acima enumerei.
Sou daqueles que sinto vergonha por termos seguido desde há muitos anos um caminho que só poderia acabar na perda da nossa independência. Quero, tanto quanto os mais revoltados, recuperar a soberania que perdemos. Mas há uma outra coisa que quero, ou melhor, exijo. Exijo que seja poupado ao vexame de ver novamente Portugal trilhar um caminho que leve a prazo a mais resgates, ou eternamente mendigar junto aos seus parceiros. Isso seria indigno e um péssimo legado para as gerações futuras.
Não sei em rigor se será melhor apelarmos a um programa cautelar ou a um segundo resgate com a mesma duração. Sei que a palavra resgate tem um cunho depreciativo, mas também sei que melhorámos muito desde que a Troika está em Portugal, e tendo em conta o acima exposto, sinto que Portugal ficaria muito mais bem servido se o programa de resgate fosse estendido por mais três anos, até porque seguramente pagaríamos juros mais baixos em comparação com a taxa de juro associada a um programa cautelar. Acredito que muitos, nomeadamente alguma classe dirigente, não goste da opção, mas sei que esses são os mesmos que andaram bem casados com o sistema anteriormente em vigor e que nos levou ao resgate. Aliás, à semelhança do pessoal da sindicância. Sei também que aquele Portugal em que acredito, o Portugal que exporta e que luta no campeonato da Globalização, é aquele que não vejo berrar contra a Troika. E este Portugal precisa de mais tempo para marcar o ritmo com que vamos ter de passar a viver em Portugal.

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