terça-feira, 22 de setembro de 2015

A tentação do consumo privado

O nosso pessoal político, da esquerda à direita, tem provado ter uma relação difícil com o consumo privado. Manda a “sabedoria” política dominante manter o povo contente, ou pelo menos positivamente expectante quanto às suas expectativas de consumo, pois é tido como verdade insofismável que a imensa plebe votante não vê para além do dia seguinte, tão pouco está interessada em ouvir vozes que pensem a prazos mais compridos, favorecendo a lógica eleitoral de colocar da melhor maneira possível a carroça à frente dos bois, consumindo primeiro de modo a manter a populaça satisfeita, e esperar que a alguma coisa corra o melhor possível de modo a corrigir qualquer consumo mais esticado que tenha ocorrido. Enfim, nada que qualquer mente desmiolada não pratique.

O caso seria mais ou menos gerível se esta psicose ocorresse somente pelas bandas da esquerda. No entanto,  e para surpresa dos politicamente ingénuos como eu, a direita também demonstra cair na tentação, nomeadamente, pasme-se, pela mão do Sr. Pires de Lima. Na sua moção ao congresso que não existiu, no ponto 3 segue esta pérola: Pretender activar uma estratégia de crescimento do Produto sem estabilizar, primeiro, e permitir a recuperação e o crescimento, depois, do Consumo Privado parece‐nos uma ficção. Não é sustentável a ideia, num Pais que exporta 38% e importa 40% do Produto, que o crescimento económico possa ser atingido unicamente pelo desenvolvimento das exportações. Muito menos num período em que os nossos principais mercados‐clientes vivem em estagnação (Alemanha, Reino Unido) ou recessão (Espanha, França) económica. As exportações devem continuar a desempenhar um papel prioritário nas políticas  económicas mas têm de ser acompanhadas por uma preocupação de recuperação do consumo privado, nomeadamente de bens transaccionáveis.

Expurgando o economês escorreito que permite a qualquer leitor concordar com o exposto, o que acima se denuncia é uma fraca percepção de longo prazo quanto à dinâmica de uma economia tomando em linha de conta o incómodo, mas fatal, equilíbrio da balança corrente que se impõe. O exposto não persuade que o consumo privado possa estar de alguma forma relacionado com as exportações como efeito colateral de fim de linha, tão pouco considera que na actual situação de Portugal primeiro tem que se exportar, depois, e por imposição própria da dinãmica exportadora, aumenta-se o consumo de bens intermédios, e por fim como brinde consome-se. Sabemos que desta forma o PIB demora mais tempo a crescer, embora também se saiba que cresça de forma mais sustentável, mas só as  mentes mais infantis acreditam que os PIBs podem crescer na “mecha” na directa proporção da sua vontade política e de acordo com as agendas eleitorais dos  participantes.

Os últimos números estão aí para deixar o Sr. Pires de Lima muito satisfeito. Realmente o PIB cresce mais na versão na “mecha” pela mão dos carros que a população resolveu começar a comprar desde há dois anos. Como a venda de carros conta para o PIB, está tudo bem. E mais bem ainda fica se considerarmos que o aumento da venda de carros deixa os habitantes do ministério das finanças ao rubro pelo efeito da receita fiscal (que maçada as exportações não serem tão cooperantes nesta matéria…). O incómodo é que também contam para o desequilíbrio da balança corrente, efeito pernicioso e pouco perceptível, mas que convém lembrar terem sido esses desequilíbrios a causa comum da três intervenções externas que infelizmente tive oportunidade de vivenciar.

Não, não é ficção como é dito no texto moção. É como deve ser. É também nestas nuances que se detectam as diferenças entre um político que lê e interpreta o futuro (os países supra indicados passaram a ter taxas de crescimento), e tem a correcta percepção do trabalho de casa que há para fazer (fazer de Portugal uma sociedade exportadora *), e aquele que navega ao sabor da corrente sem saber muito bem por que mar é que navega. Mas nada disto nos deve espantar. No final de contas trata-se de alguém que pouco antes de ser empossado dizia não ter pretensões ao ministério da economia e ter lá aterrado nas condições que todos conhecemos.

*aspecto que não se confina somente a imperativos macro económicos

Uma confissão: adoraria ter conhecimentos de psiquiatria que me fizessem entender as constantes infantilidades do governo grego desde que tomou posse e o significado da expressão aluada e perdida do Sr. Euclid Tsakalotos durante a cimeira do acordo.

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