terça-feira, 27 de outubro de 2015

Carta aberta aos deputados socialistas


Ilustres deputados socialistas. Acaso não tenham reparado, encontram-se alguns dos senhores em excelente posição para iniciar a empreitada mais complicada de ser executada em Portugal: fazer chegar o ajustamento aos partidos.

Há cerca de 6 anos tomei consciência que deveria começar a dar um qualquer contributo político a Portugal. Tornara-se para mim evidente que derivado de muitos portugueses de valor terem-se abstido de participar na política terá conduzido que os partidos fossem tomados de assalto por indivíduos de competências insuficientes e de perfil menos recomendável. Esta situação não é um exclusivo de nenhum partido em particular, implicando-nos portanto a todos na prossecução dos necessários ajustamentos a levar a cabo nos partidos na medida das nossas possibilidades, e sempre que as circunstâncias o permitam.

Permite-me caro deputado socialista que doravante conduza a carta de uma forma frontal e directa e utilize o “tu”. Não em obediência de um qualquer estratagema argumentativo perverso pelo “tu” ser mais frequente na esquerda e com isso ardilosamente te querer conquistar. Simplesmente pretendo numa linguagem simples e despretensiosa confrontar-te com o facto de que o combate em curso é menos o de esquerda versus direita e mais entre os que estão na política com princípios e carácter e aqueles que utilizam a política para se nutrir a si e ao seu séquito.

Sabemos os dois que as consecutivas asneiras que nos levaram ao resgate de 2011 não foram da exclusiva responsabilidade do PS, ainda que tal afirmação vá ao arrepio de muitos responsáveis do PSD e do CDS. É evidente que as asneiras vêm sendo praticadas há muito (pelo menos 25 anos) como resultado de governos sem visão e prisioneiros de toda a sorte de grupos de pressão, desde empresários, grupos profissionais, sindicatos, etc., todos alinhados, ainda que inconscientemente, num despropósito de acção sem rumo e de méritos duvidosos. Podemos discutir o grau de responsabilidade de cada um até à exaustão, mas esse não é o exercício que te proponho. Como também deves saber, e à semelhança das asneiras que com frequência fazemos com a nossa saúde individual, as correções aos desvios pagam-se com ajustamentos, coisa sempre dolorosa, e, obviamente, nunca bem acolhida. Infelizmente em democracia temos vasta experiência disto. Que o diga Mário Soares que galhardamente vestiu a pele de quem teve de se chegar à frente nos dois ajustamentos anteriores.

Acontece porém que este último ajustamento tem uma particularidade diferente dos dois anteriores. Enquanto os primeiros foram ajustamentos meramente financeiros, este último ajustamento é também económico (trazer de volta os tais transacionáveis e com isso equilibrar a balança corrente) e político. Como sabes a questão financeira e económica vai-se resolvendo. Está a sê-lo, e vai continuar a sê-lo (coisa que tu também sabes), embora não na velocidade que desejaríamos. Mas como somos pessoas de juízo, sabemos que embora nos dias de hoje se queira tudo já (compre já, faça já, etc), não existe propriamente um “ajustamento já”. Por isso, somos ambos obrigados a lidar com o factor tempo, o que até não é complicado, pois requer simplesmente uma dose mínima de paciência. Quanto à última parcela do ajustamento, o ajustamento político, acredito não ser fácil convencer-te que nos encontramos precisamente no mesmo barco e que todos nós temos um desafio semelhante a tratar nos nossos partidos. Parece estranho e pode soar a falacioso, mas neste ponto temos muito em comum, pois é incontornável que qualquer análise mais fina aos nossos partidos não resiste à conclusão de que todos necessitamos de fazer ajustamentos.

Assim, para o que te convido caro deputado socialista, é em alinhares comigo na parcela do ajustamento que falta fazer e com isso completarmos em parceria o ajustamento total de Portugal. Está bem de ver que este ajustamento dos partidos políticos será complexo e doloroso, mas terá fatalmente de ocorrer. Não ocorrerá ao mesmo tempo para todos os partidos. Não ocorrerá na circunstância que desejamos. Não ocorrerá no momento mais conveniente. Penalizará no curto prazo quem iniciar a empreitada, mas brindará mais lá para a frente quem der o pontapé de saída. Haja para isso liderança capaz.

Caro socialista, é hoje muito claro não teres o líder de que precisas, por isso evita que as doçuras com que te acenam te impeça de tomares na tua mão as tuas responsabilidades e o futuro do teu partido. Sim, sujeitar-te-ás a algum escárnio de alguns colegas se fores avante com o processo e muitos adversários cantarão de alto vitória. Mas isso é a natureza humana em ação pois que as almas pequenas andam por todo o lado. Mas não te preocupes em demasia, os dividendos brindam amiúde o audaz e quem não deixa escapar a oportunidade, ao que não será alheia a expressão “Ri melhor quem ri por último”. Como português considero pernicioso a defesa obsessiva da dama política que cada um representa, no meu caso o CDS. Da minha parte julgo ser prioritário servir Portugal, a dama de todos nós, e claramente neste momento Portugal ficará melhor servido se mudares não só a tua liderança como também o estilo que recentemente adoptaste. Como deves calcular não me anima a perspectiva da esquerda radical crescer à tua conta. Quero mais é que tu cresças à conta deles, ainda que isso implique que me inflijas derrotas no futuro. Óbvio, não é?

Calculo que como pessoa atenta que és deverás ter tido a oportunidade de ler nos últimos anos alguns portugueses que tiveram a vontade de escrever sobre Portugal. Pensa em Camilo Lourenço, Ferreira do Amaral, Medina Carreira, João César das Neves, João Gomes Ferreira, e Henrique Neto (já agora, um excelente candidato a PR, com sólida noção de Estratégia e que percebe bem o que Sines pode significar; queres debater sobre estas matérias?). Todos eles não foram particularmente meigos e abonatórios com os partidos, o que, aliás, vai de encontro ao sentimento geral dos portugueses de todos os quadrantes. É do senso comum desde há uns anos a esta parte que existe algo de perverso nos partidos políticos que faz com que ocorram situações extremamente bizarras e nada benéficas para a nossa saúde democrática, com reflexos directos no nosso bem-estar material e espiritual. O resgate de 2011 e os casos nas mãos da justiça são disso bom exemplo. Mas não é minha intenção provar-te o que tu já sabes. Antes, é minha intenção neste momento lembrar-te que, embora reconhecendo a delicadeza e singularidade política da tua circunstância, estás em perfeitas condições de executar uma boa parte do ajustamento político no teu partido. A situação que o teu chefe te criou é ímpar e excelente para o propósito. Não sei se do meu lado vou ter tamanha sorte quando chegar a nossa vez.

Caro socialista, eu sei que tu podes desconfiar desta missiva. Mas acontece que querem-nos impingir sermos inimigos quando o que queremos ser é simplesmente adversários dispostos a debater no muito em que concordamos, ainda que possamos discordar no grau e na velocidade. Nesta fase é impossível não te convidar a questionar frontalmente sobre a motivação e o caminho que te quer levar aquele que sem modéstia jocosamente denegriu a vitória que anteriormente tiveste quando comparada com o parco resultado agora obtido, qualquer que seja a medida que utilizes. Não denunciará isto tanto daquilo que ambos temos para ajustar na política? E o que dizer da argumentação? Nem um sofista de segunda se atreveria a tanta desfaçatez argumentativa como aquela utilizada pelo teu chefe. Um virar de página? Que página? A da austeridade? Por favor, poupa-me, ou será que também acreditas em dietas que te põem a comer doces? Maioria de esquerda? O que é isso? Mas achas que as palavras “esquerda” e “direita” servem para arregimentar? Deixas que o significado preconceituoso das palavras condicionem com quem tu deves caminhar? O que seria o CDS ou o PSD invocarem uma hipotética maioria de “direita” se para isso se socorressem de um qualquer partido fascista?! Seria bizarro, não era? E que dizer dos “coitadinhos” eleitores de segunda? Evidentemente não são de segunda. Mas que jamais se subvertam os termos da relação. Cada um faça a sua parte. Eles dão os passos, nós estendemos a mão. Neste ponto alerto-te para o seguinte: os passos quando são de circunstância não são de fiar.

Sim, 1975 foi há muito e temos de compreender que estamos em 2015. Mas o que seria se se tratasse de um partido fascista? Aceitaríamos nós o argumento de que os fascistas de agora já não são como os de antigamente. Humm, meu caro, não caiamos nessa, pois não? Aliás, como reparaste os sinais estão bem à vista, a começar pela atalhada e atabalhoada sugestão de uma indigitação apressada do teu chefe pelo BE e CDU. Este último na busca de todos os possíveis cheques em brancos, e os dois a quererem PASOKar-te assim que o entenderem. Porque conhecem a natureza humana e a infeliz circunstância do teu chefe não hesitam na utilização da cenourinha do poder como engodo para alcançarem os seus objectivos. Claro que tu intuis tudo isto e que no fim julgas que utilizando um qualquer esquemazinho cozinhado na ocasião acabarás por sair por cima. Pois eu aqui permito-me agitar-te a consciência e desde já te digo que é precisamente neste ponto que erras. O que aliás não é de estranhar, pois é sabido que a ideia de poder cega-nos e retira-nos discernimento para a tomada de decisão.

Sabes, a transparência não é o forte dos totalitaristas. Os passos que dão são sempre subservientes aos seus fins. Sabemos que do lado de lá tudo se permite à táctica desde que isso sirva a estratégia. Recordo-te uma história que ilustra o perfil de com quem vais negociando. Durante a guerra fria os alemães fizeram uma descoberta. Enviaram uma amostra para o Japão, os EUA, e a USSR. Dos primeiros receberam de volta uma amostra melhorada, dos segundos receberam propostas de comercialização, e dos terceiros não obtiveram qualquer resposta. Há coisas que não mudam.

Imagino que neste ponto do discurso te irrites um pouco e digas para me preocupar mais com o meu partido. Compreendo. Sei realmente que os telhados de vidro andam por todo o lado e aqui também há muito para ajustar. Acontece que as possibilidades não têm sido tão boas quanto aquela que tu agora tens, embora nunca nos tivéssemos escusado sempre que a oportunidade surge, como em Julho de 2013 quando o AR se fez ouvir alto e a bom som para quem nos quis ouvir. A cena “irrevogável” e a forma como o anterior ministro da economia e sua equipa foi destituída em Julho de 2013 em nada nos orgulha. Espantado com a confissão e com esta simples ingenuidade política? Não estejas, doravante este estilo de estar na política vai ser premiado. O tempo das ilusões e dos joguinhos políticos acabou. O campeonato da Globalização não é a feijões e isso implica práctica política de outro standard.

Caro socialista, eu sei que não é tanto a voz do CDS que procuras ouvir com esta singela abertura. Acima de tudo tu precisas é de sinais humildes do partido com quem directamente te degladias, o PSD. As pressões intermitentes que te possam chegar para estenderes a passadeira do poder a um partido que coloca Marco António Costa como porta-voz não devem ser de fácil digestão. Acredita, acompanho-te no sentimento. Entre outros atributos, os discursos registados no passado e as palavras e o tom utilizados pela personagem após o discurso do Presidente da República de dia 22 de Outubro ficarão nos anais da nossa política como “como não saber fazer as coisas”. Peço-te desculpa, mas como simples militante do CDS julgo ter pouca margem neste aspecto, embora daqui sugira uma sabática da pessoa à função, um ocaso político que certamente não deixaria de transmitir um sinal positivo. Nesta fase é absolutamente imperdoável ter alguém num lugar de destaque que provavelmente nunca deve ter lido o livrinho de Dale Carnegie “Como fazer amigos e influenciar pessoas”. Insuportável em 2015 validar o que Manuel Laranjeira escreveu em 1907: “Dentre cinco milhões de criaturas, que se sentem esmagadas por um mal-estar insuportável, não existem cinco que se entendam para o remediar”.

Como vês há muito por fazer em todo o lado. Quis a história reservar-te este momento para fazeres a tua parte aquando da votação do governo da Coligação. Peço-te para decidires em consciência e como pessoa livre. Diz a tradição que nesta votação se siga a disciplina interna de voto. Peço-te no entanto que jamais deixes a tradição à mercê de perfis de políticos egoístas possuidores de agendas pessoais, de políticos ardilosos que promovem arranjos menos transparentes, políticos sem escrúpulos que não hesitam em atalhar, e políticos sem um pingo de modéstia quando não assumem as suas responsabilidades quando confrontados com resultados eleitorais que ficaram demasiado aquém dos objectivos a que se propuseram. Uma cumplicidade funesta que te acompanhará para o resto da vida.

Caro deputado socialista. Como político que és lembra-te do que escreveu o teu camarada Francisco Assis. Cito “O pior que pode acontecer a um político é ter receio da solidão”. Assim, com respeito e consideração confronto-te com o que te desafia. Seguir a opção fácil e cómoda e com isso confirmares-te como um vulgaris elemento de uma manada que se limita a seguir a conveniência do momento. Ou seguir o caminho da mudança e com outra liderança dar esperança para o futuro do teu PS como partido charneira. Há momentos que ficam para a história. Este é um desses.

Saudações democráticas

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