Neste momento Portugal
vai assistir a uma nova vaga de cortes da despesa e, eventualmente, aumento de
impostos. O PS bem pode berrar em desacordo, mas se tivesse um líder e
dirigentes à altura comportar-se-ia de outra maneira. Só prova que a realidade
ainda não chegou totalmente onde ela é mais necessária, à classe política. O
mesmo, aliás, parece que se passa no CDS e no PSD.
Ainda há quem não perceba
bem que há demasiadas diferenças entre o que levou a esta intervenção externa e
as duas anteriores, aquelas duas em que o Sr. Mário Soares esteve tão à altura
de resolver tanto quanto não quer perceber ainda o que se passa agora com esta.
Impressionante a perversidade da lógica partidária no atropelo à razão desde
que isso possa dar ao clube partidário de que se faz parte um livre-trânsito de
acesso ao poder, ainda que a prazo.
Por vezes questiono-me se
a maior parte do CDS sabia ao que ia quando se colocou em bicos de pés para ir
para o poder. No congresso de Viseu ficou bem demonstrado aquilo que o CDS sabe
tão bem fazer: dar umas bordoadas no PSD ao mesmo tempo que se põe a jeito para
ir para o poder pela mão do mesmo PSD. Discutir nesse congresso sobre a
pertinência política de participar num governo de fecho de ciclo político
iniciado em 25 de Abril, de entender que o que se está a encerrar é o modelo
socialista que dura desde essa altura, de perceber que a governação não seria
substancialmente diferente se a equipa fosse PSD/CDS ou PSD/PS, nada disto
importava discutir. Somente interessava ir para o poder. Considerandos que
colocassem em causa esta (i)lógica partidária deveriam ser considerados como
impertinências de quem “não percebe porque é que se frequentam os partidos”.
Parece agora evidente que
muitas pessoas no CDS descobriram que o jogo afinal é bem mais duro e
prolongado no tempo do que seria desejável. Que o primeiro-ministro não anda a
colaborar como deveria, pois como está bem de ver a personagem resolveu não ter
uma agenda eleitoralista e por isso vai ignorando a lógica partidária que se
convencionou idolatrar, a sagrada gestão do ciclo eleitoral. Que afinal a crise
é realmente diferente da crise de 1983/1985, bem mais profunda, pois trata-se
de passar de um modelo de economia de consumo e endividamento para um modelo de
economia voltada para a exportação e com maior proporção de capitais próprios.
E isto demora muito tempo, coisa para uns 20 a 30 anos. Desculpem a inconveniência
temporal que tanto deve atormentar o incrédulo, mas jogar no campeonato da
globalização é mais puxado do que jogar no campeonato do mercado interno, e
durante o tempo (perdido) em que nos entretemos a vender automóveis, a
construir casas, a endividarmo-nos a todos os níveis, etc, outros houve que se
entreteram a ocupar e consolidar posições no mercado internacional.
Já aqui o disse que o Sr.
Paulo Portas é dos raros políticos que possui discernimento sobre Portugal. E
que sabia que o jogo ia ser duro. Mas vai dando sinais de talvez não ter
percebido bem o grau da austeridade necessária pela nossa triste circunstância.
Posso estar enganado, ou talvez não. Veremos quando a batata quente cair no
Ministério tutelado pelo Sr. Mota Soares, o que aliás vai seguir dentro de
momentos.
É provável que muitos no
CDS possam andar a dizer ao espelho “afinal havia outra”, tal o seu
desconhecimento sobre a natureza e dimensão do ajustamento que fatalmente há
que levar a cabo. Resta saber se o Sr. Paulo Portas e o Sr. Mota Soares dirão o
mesmo um ao outro no futuro próximo, e com isso nos conduzam a uma crise
política. Da minha parte exijo que não, pois ambos quiseram ir de mão dada com
o PSD para o governo. E é bom lembrar que não vale desistir a meio do
campeonato e atirar pedras ao primeiro-ministro. E já agora lembro também que o
autor deste texto defendeu que o governo deveria ser PSD/PS pois o ciclo que se
está a encerrar foi o criado por estes dois partidos e a natureza da
austeridade em curso pouco dependeria do partido minoritário da coligação, sem
contar que o poder dos credores é imenso. Mas uma vez que se lá está por opção
própria, então é para estar de corpo e alma, e se acaso o corpo parece desencontrado
da atormentada e fugidia alma, então que se ginastique o que houver para
ginasticar de modo a que a alma vá ter de volta com o corpo e não o seu
contrário, e com isso se leve a legislatura até ao fim. É a vida.
Nota final: em cenários
de emergência, como aquele em que vivemos, o poder fica, por natureza, muito
concentrado no primeiro-ministro e no ministro das finanças. Nessa
circunstância, e quando em coligação, o partido mais pequeno tende a ter um
peso inferior àquele que teria se a proporcionalidade dos votos fosse o único
critério na aferição do poder. Que se interiorize bem que o número 2 é mesmo o
ministro das finanças.