Nunca tive a oportunidade de conhecer muitos exportadores. Desde a minha infância até aos dias de hoje, quase todas as pessoas do meio onde me insiro (zona de Cascais) estão maioritariamente associadas a actividades ligadas ao consumo interno ou ligadas a importações. Nunca ninguém era conhecido por andar a exportar.
Lá por 1991, aquando a minha saída da Universidade, e onde cursei Gestão de Empresas, reparei que íamos todos parar a todo o lado menos a empresas exportadoras. Assim, aos poucos, sentia crescer em mim uma curiosidade enorme sobre a “empresa exportadora”, essa coisa invisível e que tão bem compusera as fórmulas dos equilíbrios macro económicos que aprendera. Fisicamente continuava sem conhecer nenhuma, nem por dentro, nem por fora. A sua existência limitava-se à minha capacidade de conceptualizar camiões a serem carregados, à porta das fábricas, de camisas e demais tecidos com destino algures numa previsível Alemanha ou numa improvável Aústria. E eu lá via toda a mole humana do meu meio universitário ir trabalhar para bancos (em Portugal os bancos servem basicamente de suporte ao consumo interno), seguradoras, corretoras, importadores de automóveis, telecomunicações, centros comerciais, escritórios de advogados, e construtoras. Empresas exportadoras? Nicles, nada, 0, niente. Nem sequer 1. E aqueles que não cursaram também iam parar aos bancos e seguradoras, sem contar com o eterno stand automóvel. Mas também restaurantes, intermediação imobiliária e outros serviços. Mas nunca nada que se assemelhasse a qualquer coisa que exportasse. Ou seja, verdadeiramente cercado por um mar de não exportadores.
Assim fui crescendo e vivendo, até que lá pelo meio do primeiro (des)governo do Sr. Guterres comecei a ler uns artigos de opinião de uns economistas que falavam em desequilíbrios macro económicos. Diziam que o crescimento em curso não era nada virtuoso porque era somente induzido pelo crescimento da procura interna através do recurso ao crédito. Este facto veio mais uma vez despertar à minha consciência o meu deserto de conhecimento sobre a “empresa exportadora”, essa coisa cada vez mais longínqua e que agora parecia que se ia malogradamente afundando pelo vale do Ave ou que ia ainda vivendo de mão-de-obra infantil por terras de Felgueiras. Tudo coisas passadas bem longe da indolência da Linha de Cascais e de Lisboa, o que de certa forma ia aconchegando a consciência do moralista local. Parece que a gravidade e dimensão do mal variam em dependência da distância onde o mesmo se verifica. Por isso o Norte que tratasse do assunto que pelo Sul o regime palaciano ia dando largas.
Já no decorrer deste século, e depois de perceber que o Sr. Barroso por mais que falasse em tangas não percebera nada do que se passava, e de que o Sr. Sócrates afinal era um kamikaze disfarçado de ocidental, verifiquei que a “empresa exportadora” ficara entregue aos carolas e excêntricos. Só os loucos se aventurariam em embarcar em projectos onde é difícil recrutar pessoas, obter financiamento, arranjar sócios, e ainda ter que batalhar pelo mercado.
Agora que a macro economia veio ao de cima, descobrimos afinal que andámos todos enganados durante uma porção de tempo demasiado superior ao que era razoável. E agora fala tudo em empresas exportadoras e de como é importante exportar, que o futuro do nosso bem-estar económico depende do bom desempenho do sector exportador, de que o pastel de nata pode ser um embaixador de primeira água por esse mundo fora, que os nossos vinhos têm imenso potencial por estarem carregadinhos de carácter, e que o valor médio de exportação dos nossos sapatos está em segundo lugar a uns escassos 1,5 euros dos líderes italianos que os exportam à média de 21,5 euros.
Eu por mim tenho um feeling que agora a nossa cabeça está realmente a ir ao lugar. Pelo menos a avaliar pelas verdades inscritas por Samuelson, Galbraith, Keynes, Friedman, e outros que tais. Mas secretamente contínuo ainda com uma curiosidade dos diabos sobre como é a dita “empresa exportadora”. Em rigor essa verdade já foi mitigada, pois enquanto consultor de IT tive a oportunidade de mergulhar em duas por um largo período de tempo. Curiosamente ambas sitiadas no tal Norte que eu sempre ouvira falar e que só conhecia por uma ou outra incursão mais ou menos furtiva, como por exemplo uma ida às Antas a acompanhar o Benfica. Mas acabo sempre por sentir que, como agente económico, cresci e modelei-me numa familiaridade desequilíbrada em termos macro económicos.
Agora que o mau humor da macro economia anda por aí por havermos ignorado a sua doutrina durante demasiado tempo, vamos experimentando o seu impiedoso e brutal poder de fogo. Parte da tormenta passa necessariamente por uma viragem do tecido económico para a exportação. A avaliar pelas estatísticas, isso está em franco progresso pois as exportações andam a portar-se muito bem. Imagine-se que até no meu meio já vou encontrando pessoas que trabalham na famosa “empresa exportadora”. Um amigo, com vasto calibre de formação e lucidez quanto baste, trabalha agora como financeiro num grande escritório de arquitectos que parece exportar que se farta. Antes geria muito, muito dinheiro numa seguradora. Outro, também muito bem calibrado e muito bem atestado de formação, e que outrora leccionava Física numa universidade, é agora empresário e anda todo contente com o crescimento das suas exportações da sua pequena fábrica. No Verão passado um outro dizia-me que comprou uma pequena empresa com umas quantas fábricas e que não faz outra coisa senão viajar pela Europa a exportar.
Se a onda exportadora que agora se iniciou pega da mesma maneira da onda importadora que já acabou, ainda acabarei por um dia ver o meu filho perguntar onde é que mora a “empresa importadora”. Veremos o que a macro economia tem a dizer no futuro.
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