quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A nova imposição ortográfica

Frederico Salema escreve de acordo com a antiga ortografia. Esqueci-me de avisar, espero que me perdoem, mas nem sequer tenho um daqueles mecanismos de conversão automática. Se tivesse, no entanto, ordenaria a desinstalação do mesmo após aprovar a decisão por maioria absoluta apenas com o meu voto. A nova imposição ortográfica pretende antepor a fonética à ortografia de forma a simplificar e facilitar a aprendizagem. Ou seja, preocupados com as crianças do futuro, que não serão capazes de aprender a ler e a escrever como foram todas as outras antes delas, os doutorados da imposição ortográfica pretendem que se escreva como se fala – com uma lógica sublime que pretender unir todos os países de língua portuguesa do mundo, com todas as suas pronúncias e dialectos.

A união conseguida até agora pode ser observada nas contradições da imprensa nacional, que se desdobra como pode entre notícias escritas ao abrigo do nova imposição e textos de opinião escritos maioritariamente “de acordo com a antiga ortografia”. Mas o exercício de acompanhar a imprensa nacional é sobretudo hilariante: lemos sobre a queda do número de «espetadores» nas salas de cinema, sobre um país chamado «Egito» habitado por egípcios, sobre coisas «cor-de-rosa» e outras «cor de laranja», etc. E ainda há o caso genial das palavras com grafia múltipla: um hipotético curso de «Electrotecnia e Electrónica», por exemplo, passaria a ter 32 formas correctas de ser expresso.

Mais interessante ainda é comparar a nossa imprensa com a brasileira. Por cá escreve-se agora «aceção» e «abjeção», enquanto no Brasil se escreve «acepção» e «abjecção»: a consoante suprimida é muda em Portugal e pronunciada no Brasil. Ou seja, é a própria fonética que não permite a uniformização que se ambiciona alcançar. Em conformidade com este princípio da transcrição fonética, a imposição até podia ir mais longe e imaginar uma ortografia para Cascais e outra para o Porto. Isso é que era giro. Em Cascais, suponhamos, passar-se-ia a escrever «mas que ideia tão piquena», enquanto no Porto se registaria um «absurdo que debia acabar».

Não pretendo enunciar aqui todos os argumentos contra a imposição ortográfica, claro, sobretudo porque tenho tempo limitado de vida, mas também porque eles já andam por aí, na internet e em vários artigos de opinião. O que pretendo é expor o ridículo a que chegou este grupo de legisladores, supostamente preocupado com a unidade da língua, mas que acabou por tomar uma decisão meramente política e económica. A verdade é que não há unidade possível e vai continuar a ser diferente falar e escrever em cada país e até em cada região. Mais que isso, a unidade não é desejável - porque onde o valor de uma língua reside verdadeiramente é na partilha da sua diversidade. Os espanhóis e os ingleses perceberam isso. Nós não.

2 comentários:

Frederico Salema disse...

Aqui o link para as 32 formas possíveis de «Electrotecnia e Electrónica»: http://emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/2008/06/fixar-o-caos-ortogrfico-2-electrotecnia.html

Anônimo disse...

Este texto está muito bom, mesmo muito bom para mostrar ao Sousa Tavares...

Postar um comentário