Em 1989 ocorreu uma importante reforma fiscal. O IVA, o IRC,
e o IRS, substituíram um desagregado de impostos existentes e deram corpo ao
sistema fiscal que hoje conhecemos. Essa reforma foi bem-vinda, mas valerá a
pena analisar os níveis de taxas então definidos. A taxa máxima do IVA era de
16% e a do IRC de 36,5%. As taxas máximas de IRS andariam por volta dos 35%.
Comparando com as taxas actuais, IRC à volta de 24% (e com
promessas do arco da governação para ir até aos 18%), taxa máxima de IVA de 23%
(com tendência para subir), e taxas máximas de IRS acima dos 50%, cremos que
houve um grande lapso na definição das taxas em 1989. Na altura Portugal ter-se-á
esquecido de perguntar se preferiria seguir um modelo de economia baseado nas
exportações ou um modelo de economia baseado no consumo, coisa que os ventos
eleitoralistas utilizados pelos vendedores de ilusões fizeram descambar para o
lado do endividamento e consumo interno e cuja inversão agora perseguimos.
Houvesse na altura visão, teríamos em 1989 definido algo
como: taxa de IRC de 12,5% (é sabido no entanto que a competitividade fiscal não
se esgota no nível da taxa de IRC), taxa máxima de IVA de 26%, e taxa máxima de
IRS de 20%. Com este pacote teríamos tido muito mais investimento estrangeiro em
Portugal desde essa altura, o que forneceria uma base muito mais alargada e estável
de empresas capitalizadas capazes de absorver na altura aquela massa de pessoas
que acabou por engrossar a função pública, e a massa de portugueses de hoje com
capacidade de fornecer trabalho qualificado e que tem de emigrar. Notar ainda que
mais investimento estrangeiro de longo prazo em grande escala teria difundido
em elevado grau melhores práticas de gestão pelo nosso tecido económico, com todo
o impacto benéfico daí resultante na qualidade de vida das pessoas. Horários de
12 ou mais horas de trabalho seriam mais a excepção do que a regra, com evidentes
benefícios na felicidade da população e na taxa de natalidade.
Por outro lado a probabilidade de ocorrência dos desequilíbrios
macroeconómicos que viemos a criar teria sido muito menor, não só porque as
importações seriam mais caras, mas também porque a economia teria sempre um
contrapeso de produção para fazer face aos naturais ímpetos consumistas. Mas se
ainda assim ocorressem desequilíbrios macroeconómicos, estes seguramente nunca
atingiriam o grau do desequilíbrio verificado aquando da entrada da Troika em
2011, sendo que a dor do ajustamento necessário seria muito menor pois teríamos
mais economia baseada na exportação que mitigaria um qualquer processo de
ajustamento. E se dúvidas há a este respeito que se consulte a dor do
ajustamento irlandês, uma economia voltada para a exportação, em comparação com
a dor do nosso ajustamento.
Por fim teríamos uma economia mais preparada para competir no
século XXI no que respeita à retenção e captação de talento. Com taxas de IRS
ao nível de 20% num país com as condições que Portugal tem (geografia, costa,
temperatura, etc), e com outro histórico de percurso económico, mais voltado
para a produção, estaríamos melhor colocados para sermos também uma economia
voltada para o conhecimento, e em vez de pequenas bolsas como as que hoje existem,
teríamos muitas mais, e em lugar de emigrarmos estaríamos provavelmente a
receber imigrantes de talento.
Para que o desenrolar dos acontecimentos fosse outro teríamos
de ter dirigentes de visão em 1989, coisa que não tivemos. Em resultado de as
coisas terem corrido mal temos hoje em dia um debate político sobre economia desprovido
de um mínimo de intelectualidade e muito bem provido de disparates emanados por
almas confusas e com profundas insuficiências na compreensão do mundo económico
em que vivemos. Resta saber se ainda vamos a tempo de ter dirigentes com visão
para perceberem o que falhou desde 1989 e o que significa “economia do
conhecimento” ou o que significa “talento” para uma equipa ou empresa vencedora,
conceitos necessários para quem quer competir no campeonato mundial da economia
nos mais altos graus da cadeia de valor. E por fim perceber ainda que com taxas
de IRS como as que temos é muito mais difícil de lá irmos.