sexta-feira, 16 de maio de 2014

Visão

Em 1989 ocorreu uma importante reforma fiscal. O IVA, o IRC, e o IRS, substituíram um desagregado de impostos existentes e deram corpo ao sistema fiscal que hoje conhecemos. Essa reforma foi bem-vinda, mas valerá a pena analisar os níveis de taxas então definidos. A taxa máxima do IVA era de 16% e a do IRC de 36,5%. As taxas máximas de IRS andariam por volta dos 35%.
Comparando com as taxas actuais, IRC à volta de 24% (e com promessas do arco da governação para ir até aos 18%), taxa máxima de IVA de 23% (com tendência para subir), e taxas máximas de IRS acima dos 50%, cremos que houve um grande lapso na definição das taxas em 1989. Na altura Portugal ter-se-á esquecido de perguntar se preferiria seguir um modelo de economia baseado nas exportações ou um modelo de economia baseado no consumo, coisa que os ventos eleitoralistas utilizados pelos vendedores de ilusões fizeram descambar para o lado do endividamento e consumo interno e cuja inversão agora perseguimos.
Houvesse na altura visão, teríamos em 1989 definido algo como: taxa de IRC de 12,5% (é sabido no entanto que a competitividade fiscal não se esgota no nível da taxa de IRC), taxa máxima de IVA de 26%, e taxa máxima de IRS de 20%. Com este pacote teríamos tido muito mais investimento estrangeiro em Portugal desde essa altura, o que forneceria uma base muito mais alargada e estável de empresas capitalizadas capazes de absorver na altura aquela massa de pessoas que acabou por engrossar a função pública, e a massa de portugueses de hoje com capacidade de fornecer trabalho qualificado e que tem de emigrar. Notar ainda que mais investimento estrangeiro de longo prazo em grande escala teria difundido em elevado grau melhores práticas de gestão pelo nosso tecido económico, com todo o impacto benéfico daí resultante na qualidade de vida das pessoas. Horários de 12 ou mais horas de trabalho seriam mais a excepção do que a regra, com evidentes benefícios na felicidade da população e na taxa de natalidade.
Por outro lado a probabilidade de ocorrência dos desequilíbrios macroeconómicos que viemos a criar teria sido muito menor, não só porque as importações seriam mais caras, mas também porque a economia teria sempre um contrapeso de produção para fazer face aos naturais ímpetos consumistas. Mas se ainda assim ocorressem desequilíbrios macroeconómicos, estes seguramente nunca atingiriam o grau do desequilíbrio verificado aquando da entrada da Troika em 2011, sendo que a dor do ajustamento necessário seria muito menor pois teríamos mais economia baseada na exportação que mitigaria um qualquer processo de ajustamento. E se dúvidas há a este respeito que se consulte a dor do ajustamento irlandês, uma economia voltada para a exportação, em comparação com a dor do nosso ajustamento.
Por fim teríamos uma economia mais preparada para competir no século XXI no que respeita à retenção e captação de talento. Com taxas de IRS ao nível de 20% num país com as condições que Portugal tem (geografia, costa, temperatura, etc), e com outro histórico de percurso económico, mais voltado para a produção, estaríamos melhor colocados para sermos também uma economia voltada para o conhecimento, e em vez de pequenas bolsas como as que hoje existem, teríamos muitas mais, e em lugar de emigrarmos estaríamos provavelmente a receber imigrantes de talento.
Para que o desenrolar dos acontecimentos fosse outro teríamos de ter dirigentes de visão em 1989, coisa que não tivemos. Em resultado de as coisas terem corrido mal temos hoje em dia um debate político sobre economia desprovido de um mínimo de intelectualidade e muito bem provido de disparates emanados por almas confusas e com profundas insuficiências na compreensão do mundo económico em que vivemos. Resta saber se ainda vamos a tempo de ter dirigentes com visão para perceberem o que falhou desde 1989 e o que significa “economia do conhecimento” ou o que significa “talento” para uma equipa ou empresa vencedora, conceitos necessários para quem quer competir no campeonato mundial da economia nos mais altos graus da cadeia de valor. E por fim perceber ainda que com taxas de IRS como as que temos é muito mais difícil de lá irmos.

sábado, 29 de março de 2014

A geração que falhou

O recente manifesto dos 74, outorgado por muitos que têm mais voz do que visão, constitui o grito de capitulação de uma geração que falhou na influência que teve nos destinos de Portugal. Se nos colocarmos no lugar dessas personagens e na grande maioria dos que apoiam a iniciativa, não será difícil de adivinhar as pequenas parcelas de responsabilidade que a cada uma delas cabe na condução do país até ao pedido de resgate. Tendo em conta a provecta idade de muitos, é natural que individualmente se iniciem os trabalhos de fecho para balanço das suas responsabilidades públicas. Aos outros, embora mais novos, mas já com “currículum” de responsabilidades públicas, o exercício será mais comprido, e por isso mais doloroso, pois terão o tempo suficiente para compreender os erros que cometeram e ainda bastante tempo para cruelmente verificarem que a terapia que vilipendiam vai/está a funcionar.
 
Parece evidente que o assunto não é do domínio económico, tão pouco político. É do domínio da psicologia. E quando a este nível se chega, a racionalidade e a frieza, conceitos que tanto aprecio na assistência à boa governação, provam ser totalmente irrelevantes. De psicologia sei pouco, mas sei o suficiente para saber que a compreensão e o tempo são a melhor terapia para ajudar aqueles que realmente querem fazer balanços justos de fim de vida. Recentemente tivemos em Otelo Saraiva de Carvalho o inesperado exemplo de reconhecimento em como as ocupações de terras nos idos anos de 1975 foi uma má decisão (In DN 26.03.2014 - "Era necessário tomar decisões, mesmo que elas fossem más. Tinham de ser tomadas. Depois logo se via. Foi o que aconteceu inúmeras vezes, uma delas com a reforma agrária, quando mandei ocupar as terras”). Obviamente que seria estéril tentar convencer a personagem do seu contrário durante os anos subsequentes, o que indicia que o encontro dos (ir)responsáveis políticos com a realidade e o reconhecimento público dos seus erros é um acontecimento incerto e, a ter lugar, a ocorrer somente no futuro longínquo.
 
Assim, façamos a nossa parte. Compreendamos agora os nossos concidadãos no seu drama pessoal de introspecção, e não melindremos com análises frias e racionais esses espíritos que somente necessitam de calor e ajuda para carpir a mágoa que sentem mas não entendem. O tempo fará o resto.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Cuidado com as ilusões


Anda neste momento por aí alguma excitação pelo PIB ter crescido um pouco mais no terceiro e quarto trimestre de 2013. Isso deve-se maioritariamente à subida do consumo privado que tem estado a subir para gaudio de quem não deveria vangloriar-se com o facto. Como infelizmente a taxa de poupança tem vindo a descer desde meados de 2013, porque no entender de algumas famílias há muito bem duradouro a ser reposto (automóveis, etc), os nossos políticos não resistem em dar nova vida à visão de curto prazo que vai dominando sempre que encontra uma oportunidade, e ao invés de desincentivarem o consumo de bens duradouros, ainda celebram o facto.

Que se perceba uma coisa de uma vez por todas. A taxa de poupança não deve descer. Inclusivamente deve ainda subir. De entre outras razões destaco as seguintes. Primeiro para se poder diminuir a nossa dependência externa quanto ao financiamento da dívida pública. Se esta a prazo entrar na curva descendente em percentagem do PIB, o que vai ter de acontecer através de excedentes (já agora, só oiço o Sr. Passos Coelho proferir a palavra EXCEDENTE. Pergunta: quando é que no CDS essa palavra entra no léxico?), e se cumulativamente o crescimento da poupança interna substituir parcialmente o financiamento externo, então caminharemos a prazo para um cenário à italiana ou japonesa onde os credores são menos os mercados e mais a própria população, com todo o impacto positivo no nível das taxas de juro com que rolamos o stock de dívida.

Segundo, para dar mais graus de liberdade ao decisor político no que respeita à grande reforma que o nosso sistema de segurança social vai ter de sofrer. Este problema, que de pequena reforma em pequena reforma vai coxeando cada vez mais por imperativos da nossa dinâmica demográfica, necessita de ser repensado de raíz, pois só quem anda muito distraído é que não percebe que o drama de quem hoje se queixa que as pensões são baixas não é mais do que o sonho dos pensionistas de amanhã. E porque a passagem do modelo actual para um modelo futuro irá necessitar de um período de transicção que seguramente será complexo, quanto maior for a taxa de poupança mais hipóteses teremos de proceder a essa transicção.

Só quem anda muito embrenhado em calendários políticos e calculismos partidários não percebe que estes pífios foguetes, que são do interesse partidário, de nada valem quando comparados com os dois pontos acima descritos, que são do interesse de Portugal. Que o PS seja assim ainda é como o outro, agora que o CDS pratique esta modalidade de socratismo é que já custa mais a aceitar. Senhores doutores do CDS, lembrem-se que somos de direita, e que discutir décimas de crescimento com origem no decréscimo da poupança e fazer disso depender uma saída à irlandesa não é mais do que estar à altura daqueles que nos trouxeram até ao programa de resgate. Percebem e concordam? Ou nem sequer percebem?

Que tristeza percepcionar que politicamente Portugal entrou de novo numa fase de curto prazo… ou não estivessem eleições à porta.
 

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Programa cautelar? Ou outro resgate?

Lá por Abril Portugal irá tomar uma decisão importante: como sair do programa de ajustamento? Fala-se numa saída airosa à “irlandesa” ou numa saída com um programa cautelar? Neste momento o pessoal político de serviço e com palco na comunicação social vai dando exemplos de pura infantilidade quanto ao modo como olham para a questão já que se limitam a observar o assunto pelos óculos partidários. O pessoal dos partidos do governo parecem aqueles gestores que só pensam nos resultados trimestrais, completamente alheios sobre o que verdadeiramente pode fazer mais sentido para a empresa, e com o pensamento único no bónus trimestral. Avaliam obsessivamente indicador a indicador com o fito de ganharem pulso para a decisão eleitoralmente mais conveniente. Do lado da oposição, que deveria ser mais responsável do que é, torce-se para que as coisas não corram tão bem até lá pelos mesmos motivos eleitorais. A esquerda radical faz a única coisa que sabe fazer: berrar.
 
Genericamente todos falam de acordo com estados de alma sem se socorrerem da incómoda, mas útil, análise fria e racional. E quando os estados de alma campeiam em matérias tão importantes, então de ciência certa estamos perante um problema geral de falta de clarividência. Assim, e por saber que esta é melhor servida se colocarmos as perguntas à frente das respostas, entendo que a classe dirigente prestaria melhor serviço se fosse mais expedita nas perguntas do que o é nas respostas. Da minha parte tenho algumas, a saber:
 
1.       Será que três anos após o ajustamento o povo português está preparado psicologicamente para “andar à solta” quando sabemos que o mesmo povo deu luz verde a uma série de vendedores de ilusões (Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, e José Sócrates)?
 
2.       Sabendo que já fomos intervencionados por três vezes em 37 anos de democracia, e porque em democracia queremos viver, será que em três anos ganhámos verdadeiramente, como povo, consciência que temos que enveredar por outros padrões de comportamento, outras atitudes, e outras expectativas onde o encontro entre direitos e deveres sejam mais equilibrados, e as exigências estejam mais de acordo com o que a economia pode dar?
 
3.       Sabendo que o líder do PS e os seus acólitos de serviço são os mesmos que também nos enfiaram no buraco, sabendo que a sua cartilha não mudou, sabendo que ainda não perceberam que a sociedade portuguesa e o seu modo de vida teria de mudar, será que é razoável correr o risco de deixar o povo português entregue, ainda que parcialmente, a pessoas completamente fora da realidade e sem a mínima noção que com poder nas mãos irão praticar actos irresponsáveis?
 
4.       Sabendo ainda que temos na direita portuguesa um ministro da economia que ainda pensa que o consumo interno tem que ser estimulado, sabendo que não está só, a avaliar pelos subscritores da sua moção de Junho de 2013 (e a macro economia não muda muito em seis meses ou um ano, e se não viam nessa altura que a economia estava a mudar, então não podem ocupar cargos no Ministério da Economia), será que isto não é matéria que dê que pensar sobre as alternativas que temos à direita que nos façam acreditar que alcançaremos excedentes crónicos na balança com o exterior nas próximas décadas?
 
5.       Sabendo que o barco anda fortemente adornado à esquerda, será razoável pensar que poderemos no futuro próximo correr o risco de incumprimento, reescalonamento da dívida, perdão parcial, ou outro mecanismo de perda para os credores?
 
6.       Sabendo que temos historicamente elites fracas e uma sociedade que dá 10 vezes mais ouvidos à voz irresponsável do que à voz responsável (a começar pela comunicação social), sabendo que a sociedade ainda não é suficientemente exportadora que nos dê aquele sentido de maioridade que nos faça perceber que o sucesso depende de nós e do esforço colectivo, será que estamos preparados para sozinhos pensarmos sobre o que melhor nos convém?
 
7.       Sabendo ainda que a capitalização das nossas empresas é insuficiente, sabendo que esta parcela do ajustamento é muito importante e que ainda está longe de ser feita, sabendo que este processo demora muito mais tempo a levar a cabo, será que é razoável deixarmos a nossa banca desprotegida com todas as implicações que isso possa ter em termos macro económicos e consequentemente ao nível dos juros que nos são exigidos?
 
8.       Sabendo que a reforma do Estado foi deixada formalmente para o fim desta legislatura, quando deveria na práctica ter sido uma das primeiras prioridades, sabendo que nenhum político da esquerda à direita quer essa batata quente, será que estamos em condições de sozinhos, enquanto povo, de enfrentar os interesses instalados na função pública e assim permitir melhorar a produtividade dos serviços públicos?
 
9.       Sabendo que a questão da sustentabilidade da Segurança Social é um tema incontornável, sabendo do sarilho demográfico que temos com todas as implicações no sistema, sabendo que necessitamos de um plano mais sustentável de financiar o sistema e/ou de reduzir os encargos actuais, será que sozinhos teremos mais graus de liberdade para actuar?
Tenho muitas dúvidas que após três anos a sociedade portuguesa no geral esteja em condições de viver sem a ajuda muito próxima dos nossos parceiros. Três anos não são suficientes para um povo se consciencializar das asneiras cometidas e, consequentemente, de uma maneira sólida, dar continuidade aos novos comportamentos que entretanto foi assumindo, nomeadamente se lhe aparecer pela frente um novo vendilhão de ilusões. E tão pouco três anos são suficientes para que uma classe dirigente menor perceba que o jogo como era jogado acabou de vez, em vez de pensar que o que ocorreu foi um intervalo um pouco mais prolongado e que está na altura de voltar a entrar em campo. Portugal, embora em recuperação, ainda apresenta muitos sintomas de que pode de novo vacilar se for deixado à sua sorte. Um bom decisor político olha a estes aspectos e coloca a si mesmo e aos seus conselheiros perguntas da natureza como as que acima enumerei.
Sou daqueles que sinto vergonha por termos seguido desde há muitos anos um caminho que só poderia acabar na perda da nossa independência. Quero, tanto quanto os mais revoltados, recuperar a soberania que perdemos. Mas há uma outra coisa que quero, ou melhor, exijo. Exijo que seja poupado ao vexame de ver novamente Portugal trilhar um caminho que leve a prazo a mais resgates, ou eternamente mendigar junto aos seus parceiros. Isso seria indigno e um péssimo legado para as gerações futuras.
Não sei em rigor se será melhor apelarmos a um programa cautelar ou a um segundo resgate com a mesma duração. Sei que a palavra resgate tem um cunho depreciativo, mas também sei que melhorámos muito desde que a Troika está em Portugal, e tendo em conta o acima exposto, sinto que Portugal ficaria muito mais bem servido se o programa de resgate fosse estendido por mais três anos, até porque seguramente pagaríamos juros mais baixos em comparação com a taxa de juro associada a um programa cautelar. Acredito que muitos, nomeadamente alguma classe dirigente, não goste da opção, mas sei que esses são os mesmos que andaram bem casados com o sistema anteriormente em vigor e que nos levou ao resgate. Aliás, à semelhança do pessoal da sindicância. Sei também que aquele Portugal em que acredito, o Portugal que exporta e que luta no campeonato da Globalização, é aquele que não vejo berrar contra a Troika. E este Portugal precisa de mais tempo para marcar o ritmo com que vamos ter de passar a viver em Portugal.