Não deve haver mais do que trezentas pessoas interessadas na produção
de Ricardo Rocha. O fado, inserido no contexto musical, já não está sequer
imunizado contra as tentativas de exploração mercantilista. Mas a guitarra
portuguesa continua a ser um palco pequeno. Tocar em público é escusado e
inútil. As tascas tradicionais são a forma de resistência possível, mas até aí
a composição para guitarra portuguesa está condicionada aos seus limites. É um
instrumento sem futuro que nunca se vai conseguir libertar do fado. Ricardo
Rocha conseguiu, ainda assim, levar a guitarra portuguesa a outro nível e criou
um reportório solista para um instrumento que não tinha esse reportório. Antes
dele, só o Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral. Agora não é possível ir
mais longe, já não há nada para compor, a guitarra existe para acompanhar a
música tradicional portuguesa, desempenha um papel fundamental nesse sentido,
mas não vale a pensa pensar que o instrumento alguma vez vai ser mais do que
aquilo que é.
No meio disto tudo, Ricardo Rocha começou a tocar piano aos dezasseis
anos e tem algumas peças para piano nos seus cds. É o seu instrumento
preferido, pelo som e pelas capacidades quase ilimitadas de composição, mas diz
que começou a tocar tarde demais e que não é pianista. Assim, o que me
interessa nesta história está na tensão entre estes dois instrumentos: a
guitarra portuguesa, que é um instrumento limitadíssimo, fisicamente difícil de
tocar, doloroso, agudo, e o piano, que é um prazer com as suas possibilidades
quase infinitas de composição. E Ricardo Rocha podia ter sido pianista, mas pegou na guitarra do avô quando
ainda mal sabia andar e nasceu assim preso aos limites do seu próprio passado. A condição trágica,
afinal, de qualquer português. E tudo isto é triste, tudo isto é fado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário