terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Um novo rumo para a economia

Historicamente Portugal tem demonstrado uma tendência para consumir mais do que produz. Esta situação traduziu-se na nossa história no surgimento de crises frequentes, sendo que nos últimos 35 anos fomos sujeitos a três intervenções externas, facto que só por si, e expurgando quaisquer juízos de valores, será mais do que suficiente para que o Estado sinalize que o tipo de modelo voltado para o endividamento e consumo interno não interessa ao país. Por oposição, o Estado deverá sinalizar que Portugal dever-se-á tornar num país exportador por natureza, o que, como se sabe, conduz a prazo a uma situação de independência relativamente aos credores externos. Para não falar de que urge contrabalançar os défices passados.
Para que Portugal se viabilize como Estado independente e senhor do seu destino é conveniente que as exportações representam não menos que 60% do total da economia. Trata-se, portanto, de montar uma economia voltada para a exportação ao invés de uma economia voltada para o consumo interno, facto que está acontecer, mas que importa acelerar e consolidar.
Como bem sabemos não compete ao Estado o alcance deste objectivo, antes compete à sociedade civil, nomeadamente ao empresariado. Ao Estado compete somente criar as melhores condições para que a performance dos agentes económicos dê a melhor resposta, surgindo assim o Estado como mero gestor do ambiente que pode acelerar o processo.
Assim, a hierarquização das taxas de imposto que deverão ser preferencialmente reduzidas traduz a forma de sinalizar a sociedade de quais são as prioridades macro económicas a privilegiar, traduzindo o grau com que cada tipo de taxa é reduzido a real vontade de alcançar os objectivos pretendidos.
O pressuposto de que se pode começar a reduzir a carga fiscal reside no facto de que o Estado deverá continuar a reduzir o seu nível de despesa e as exportações deverão continuar a pautar-se pelo crescimento recente com a correspondente contribuição para a estabilização e crescimento da receita fiscal (inicialmente via crescimento dos consumos intermédios, e em fase posterior via estabilização dos pequenos, mas contínuos, crescimentos do consumo privado de bens finais).
A redução de impostos sobre o rendimento (IRC e IRS) deverão ter preferência sobre a redução do IVA. Isto porque numa sociedade exportadora a produção tem preferência relativamente ao consumo, porque no estádio de dependência em que nos encontramos é o aconselhável, e porque o nivel de competição no mundo assim o impõe. Inicialmente dever-se-ão dirigir todos os esforços para se reduzir o IRC até uma taxa de 10%. Esta é a melhor forma de dinamizar quer o investimento interno, quer o investimento externo para actividades exportadoras e que por norma surgem associadas a projectos com bons níveis de capital próprio, parcela necessária do ajustamento da economia que mais demora a realizar-se.
Um IRC de 10% pode operar uma mudança transformativa suficientemente grande para absorver o desemprego hoje existente, o que, só por si, justifica esta aposta, devendo-se considerar o alcance do pleno emprego como o objectivo económico gerador de maior coesão social.
O IRS deverá ser também alvo de grandes reduções, não só porque tem um potencial efeito sobre a estrutura de custos das empresas, mas porque tem ainda muitos outros efeitos virtuosos, e que embora menos visíveis, têm cada vez mais relevância num mundo irreversivelmente mais globalizado, nomeadamente:
·         Estímulo à mobilidade social. O Portugal do futuro precisa de sentir a mobilidade social como possível através do talento de modo a incutir na sociedade a confiança de que com esforço e mérito se pode alcançar um bem-estar económico superior. Neste aspecto é crucial ter o discernimento de que a propriedade e a ocupação dos lugares mais bem remunerados numa empresa não seguem os mesmos padrões de antigamente e que estiveram na base do modelo de progressividade de taxas que conhecemos. Antigamente os proprietários e os ocupantes dos cargos mais bem remunerados andavam de mãos dadas. Agora e no futuro a tendência aponta cada vez mais para modelos de meritocracia pura onde a propriedade e os cargos mais bem remunerados são tendencialmente representados por diferentes actores.
 
·         Mitigação do processo corrente de emigração de talento. Embora se preveja que a emigração de talento continuará a verificar-se nos próximos anos, a redução do IRS associada ao incremento da actividade económica via redução do IRC deverá ter um efeito mitigador do processo bem como estimulará a sua reversão no futuro.
 
·         Atracção de trabalhadores do conhecimento para se estabelecerem em Portugal. A prazo este facto pode ainda contribuir muito positivamente para a subida da taxa de natalidade, dinamização da procura interna, e turismo (visitas de familiares e amigos).
Notar que quando se fala em reduções de IRS, fala-se também de reduções muito substanciais, e não meras correções dos recentes aumentos impostos pelo programa de ajustamento.
Merece realce que a descida do IRS ainda que implique como contrapartida a subida do IVA e imposto automóvel (sim, ainda mais…), cria mais graus de liberdade, quer para as famílias através da viabilização de maiores possibilidades de poupança, com toda a vantagem de redução da dependência externa, quer para o decisor político, pois permite maiores graus de liberdade em abordagens futuras sobre o sistema de segurança social e sua sustentabilidade.
Merece uma referência o recente comportamento da economia portuguesa e a compreensão dos fenómenos que estão na sua base. A inversão de tendência em curso é reflexo do dinamismo do sector exportador e ilustra a excelente interpretação do ajustamento geral que a sociedade Portuguesa está a fazer para acompanhar as exigências internacionais de um mundo globalizado. A economia privada, por estar menos presa a constrangimentos diversos, e por depender quase em exclusivo das decisões de milhões de pessoas, tem demonstrado uma capacidade de adaptação extraordinária que, se bem compreendida, deveria servir de inspiração para outros sectores da sociedade (justiça, saúde, etc.). São exemplos da profundidade das mudanças macro económicas em curso, o aumento da iniciativa empresarial no sector primário, a maior flexibilidade dos Portugueses na aceitação de trabalhos que anteriormente recusavam, o salutar aumento da taxa de poupança para um patamar de onde importa não sair, e a aposta clara por parte do empresariado nos mercados externos.
Nos últimos três anos deram-se os primeiros passos do processo de ajustamento económico para uma economia voltada para a exportação. O processo é irreversível e deverá ser bem compreendido no contexto histórico. Nos últimos 20 anos Portugal perdeu muito tempo ocupado em actividades não sustentáveis a prazo se tomarmos em linha de conta o peso relativo dessas actividades no total da economia. Recuperar quota de mercado mundial não é tarefa fácil, até porque outros países não andaram distraídos no preciso momento em que a globalização acelerou o seu movimento.
Existem hoje fundadas razões que permitem concluir que Portugal pode vencer no campeonato mundial da economia. A percepção do empresariado que o futuro passa pelos mercados externos, uma população mais letrada como factor de preferência em novas contratações, integração plena no maior espaço económico do mundo, bom sistema bancário, rede de emigrantes de talento espalhada pelo mundo (facto importante numa sociedade onde o conhecimento é cada vez mais um recurso distintivo), capacidade de concepção e produção de produtos e serviços, e uma capacidade inata de estabelecer relações com o “outro”, fazem com que Portugal possa alcançar muitas vitórias nos desafios do futuro.
Um modelo económico baseado nas exportações emancipará a sociedade e torná-la-á mais confiante porque baseada no sucesso de uma miríade de projectos empresariais que contam com a contribuição de todos (empresários e trabalhadores). Um maior nível de dependência de consumidores externos é o melhor tónico para disseminar na sociedade a importância de níveis de excelência e de alta produtividade como modo de vencer no mundo e como modo de incrementar o bem-estar económico.
Por oposição, se uma sociedade pequena como a portuguesa se basear no sector público e consumo interno tenderá com isso a gerar toda uma sorte de expectativas onde o sucesso passa por critérios menos dependentes da meritocracia e mais dependentes de abordagens menos virtuosas, saindo como vencedores quem melhor manipula, quem melhor se movimenta nos intricados enredos burocráticos, e quem melhor se serve do orçamento.
Uma economia voltada para a exportação não nos libertará de todos os vícios associados a uma pequena economia voltada para o consumo interno, mas seguramente disseminará melhores padrões de rendimento, melhores referências, maiores graus de liberdade quanto à escolha dos caminhos a seguir a cada momento, e acima de tudo dotar-nos-á de um nível de confiança que nos permita acreditar que a globalização é o palco onde o Português tem inegáveis vantagens. Sempre tivemos empresas que jogaram bem no campeonato mundial da economia. Há que tratar agora de aumentar substancialmente o seu peso relativo no total da economia portuguesa.

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