terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A Carne é Fraca


Num debate com o estadista Winston Churchill, um deputado trabalhista propôs que o marxismo tinha afinidades com o cristianismo, na partilha e solidariedade que propõe entre iguais. Numa das suas famosas tiradas parlamentares, Churchill rebateu os
argumentos do socialista inglês, opinando que «o cristianismo diz que «o que é meu é teu», enquanto o socialismo diz que o que «o que é teu é meu».

O problema é que, efectivamente, os sistemas de pensamento político, económico ou religioso - não esqueçamos que durante quase toda a História da humanidade, esses três aspectos se têm achado nas mesmas mãos – parecem assentar no pressuposto da bondade do Ser Humano, quando na prática, como sói dizer-se, «a carne é fraca». O barro de que Deus fez o homem não é famoso, e na primeira ocasião essa deficiência faz-se notar.

Vistos no papel, os sistemas religiosos e políticos oferecem modos de funcionamento em sociedade, códigos de comportamento, distribuição e conservação patrimonial, etc., bastante louváveis – sendo que uma diferença grande do sistema religioso é que nos oferece sempre uma forma de relacionamento com a vida além da morte, e com o castigo ou prémio nesse patamar.

A «economia de mercado» em que vivemos é também um sistema com envolvimentos sócio-políticos e patrimoniais – mas para além de não se interessar de forma alguma pela vida-além-da-morte, também não perde muito tempo com dimensões doutrinais. Enquanto o
marxismo-leninismo propõe um modelo de organização, obviamente utópico («a carne é fraca», como já quedou dito), para a convivência entre Homens, a «economia de mercado» não passa de um regime de funcionamento: a sua dimensão ética é residual, e os interesses residem em «resultados». De um modo geral, pode dizer-se que é um modelo bastante egoísta.

Vem isto a propósito da fuga de capitais do grupo Jerónimo Martins para a Holanda. O seu presidente, à primeira vista, parece um homem bastante íntegro e correcto. Durante anos-a-fio andou a pregar no deserto. Nesta decisão estratégica do grupo, insiste (pela boca do filho e colaboradores) que não se tratou de uma fuga ao regime fiscal português, mas a uma inciativa que visa a sua internacionalização.

«A carne é fraca» e todos os homens mentem, nem que para isso tenham que se esforçar por acreditar nas suas próprias mentiras. Havia, neste caso, que fazer então ao Sr. Soares dos Santos uma 2ªpergunta (a primeira já foi pelo seu grupo respondida…): se o regime fiscal/tributário na Holanda fosse idêntico (ou até mais penalizador…) ao português, teria feito essa mudança?!

Admitamos que Soares dos Santos desistiu do seu país. Que se cansou de pregar no deserto. Cabe-lhe total legitimidade para fazê-lo. Espera-se, em todo o caso, que tenha encerrado a sua fase profética, e que nos liberte a todos das suas sentenças morais. Tinha autoridade para o fazer antes de transferir o domicílio fiscal para a Holanda. No momento que o país atravessa – penso que perdeu agora essa autoridade.

Em jeito de encerramento – uma palavra para a Drª Ana Gomes. Uma socialista equivocada quanto à bondade da raça humana, mas pelo menos uma pessoa que parece séria (o que provavelmente explica que se ache tão isolada no PS). Pudemos ouvi-la na rádio criticando a saída do «capitalista» Soares dos Santos para o estrangeiro e ocorreu-me uma ironia: tendo em conta que o marxismo-leninismo se opõe essencialmente ao sistema capitalista – será que uma socialista como a Drª Ana Gomes não devia estar a festejar a evacuação de um deles, em vez de estar a criticá-la???

Um comentário:

Francisco Castelo Branco disse...

Apesar de concordar, acho que cada um tem o direito de dizer o que pensa do país.

Eles não vão á procura do microfone mas é o contrário.

Acho que Portugal está a perder bons investimentos e quadros para o estrangeiro.
Portugal é que já desistiu dos seus

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