sábado, 21 de janeiro de 2012

O afinamento do cabaz

Entregámo-nos nas últimas duas décadas ao doce exercício de adicionar itens ao nosso cabaz de compras. O mundo capitalista, esplêndido na arte de conceber produtos e serviços que julgamos imprescindíveis, jorrou-nos uma miríade de bens que nos entretemos a comprar ou que nos alimentam a ideia de que um dia os poderemos comprar. Acontece que por um (o)caso de inépcia de governação geral na Lusitânia somos agora forçados por largos anos a um processo gradual e continuado de redução de consumo. Iremos viver o que se pode chamar “uma era de penúria do consumo”.

O fenómeno de penúria, em si, não é grave, conquanto não se desça abaixo do limiar de pobreza. No entanto, viver a penúria poderá ser mais doloroso se tomarmos em conta as falsas expectativas criadas ao longo de muitos anos, o dito esplendor do capitalismo na sua inigualável arte de jorrar novos produtos e serviços, e a ignorância do Homem em se deixar sempre aprisionar ao facto de que é mais doloroso a perda de um bem do que doce fora a sua conquista.

O amargurado de hoje tem casa, menos filhos, todo o equipamento da linha branca, televisão, carro, muitos telefones, muitos canais televisivos, computadores, etc. Os seus avós, de exigências mais modestas, e por isso mais felizes, só mais tarde tinham televisão ou equipamento de linha branca, e só muito tempo depois de casarem podiam aspirar a ter um carro (quando o podiam…, e era 1, não 2). O amargurado de hoje queixa-se de tudo, mas ainda fuma, vai bebendo o seu café fora de casa, janta ainda fora, embora em locais e em doses mais frugais, e vai sempre com muita facilidade drenando 1 euro aqui e ali fruto da incontinência despesista em que se desenvolveu. Como deve fazer confusão para quem tem acima de 80 anos os desesperos dos que se amarguram por não possuírem mais bens, sendo que aquilo que já possuem em muito exceder aquilo que os primeiros talvez nunca sonhassem possuir.

Ainda assim, é verdade que já existe uma redução considerável do consumo. No entanto, esta redução verifica-se mais na quantidade de consumo por item do que na abdicação de alguns itens perfeitamente dispensáveis. Sintoma para quem o repensar do seu status económico mais não é que um impedimento efectivo em trilhar os caminhos mais doces da vida que tomámos como garantidos, e numa recusa na assunção da nova realidade. Ou então sintoma de uma grande inaptidão em compreender a nova realidade que bateu à porta. Seja o que for, com a passagem do tempo, e pela força da realidade, veremos nos próximos tempos fortes remodelações no cabaz de compras das famílias. Da redução das quantidades por item, passaremos a ver redução do número de itens com todas as implicações daí decorrentes ao nível do status económico. E é com este reescalonamento económico que verdadeiramente se afinará o encontro do Português com a realidade.

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