A Maldição de Narciso
Esta semana, os portugueses ouviram
da boca de dois dos seus cidadãos mais conhecidos duas mentiras. O político
Mário Soares, durante a rábula com o 25 de Abril, afirmou que «o protagonismo é
coisa que não lhe interessa». Acrescentou (convencido de que todos nós ignoramos
que a necessidade de protagonismo é uma doença incurável) que «protagonismo já
o havia tido de sobra no passado» - como se esse néctar de que se alimentam os
narcisos não fosse um alimento adictivo. Se não, como explicar a sua
candidatura a Presidente da República em 2005, aos 80 anos, lançando a confusão
no PS e comprometendo a sua amizade longeva com Manuel Alegre?! Foi castigado
duramente no seu desejo de protagonismo pelo sufrágio popular, com 14% dos
votos.
De vez em quando, os jornalistas
em Portugal arriscam que Mário Soares é um dos poucos personagens consensuais
no cenário político português, mas em pontuais inquéritos pessoais, pude
verificar que não estou só em discordar deste vaticínio. Nunca consegui
simpatizar com o veterano político, do qual miticamente Marcelo Caetano terá
dito, enquanto seu professor, que nunca tinha conhecido alguém que falasse
tanto e dissesse tão pouco. Acresce que, no que toca à sua vida privada, Soares
sempre passou a imagem de um cidadão de hábitos burgueses, e não de um
socialista marxista. A título de exemplo, lembremos que conspirou com um grupo
de amigos, durante e após um almoço no luxuoso Restaurante Aviz, no Chiado, sem
dúvida acompanhado de bons vinhos, melhores cognacs e cubanos charutos (é o que
dizem as crónicas dos jornais da época), o princípio do fim dos governos de
Cavaco Silva, porque o cenário político estava muito estagnado para os seus interesses,
e aqueles dos seus apaniguados. Emprego, com horário das 9 às 5, não consta que
tenha tido algum…
O outro famoso é o sadino José
Mourinho, que nos procurou convencer que não estava triste por si, mas pelos
seus jogadores, quando se viu superado numa eliminatória europeia, por um
clubes oriundo do país da Srª Merkel, que fez as coisas do modo que sempre consagrou
a Alemanha: com eficácia, energia, coragem e até talento. Mourinho tem uma
legião de adeptos, tanto em Portugal como no estrangeiro, que nele admiram
essencialmente uma coisa: os resultados. E no mundo pós-moderno em que hoje
vivemos, meios e fins confundem-se constantemente, e ética é uma palavra de
origem greco-romana que já só faz sentido nos livros da História: ou se
apresentam resultados – e nesse caso é-se bom – ou não se apresentam – e é-se
mau. Sob esta perspectiva, que não subscrevo, o valor moral de uma pessoa
poderia aferir-se a partir do valor do seu salário. E a realidade mostra que,
obviamente, a Bondade (no sentido ético-moral) de cada pessoa não se afere de
acordo com os seus resultados, caso contrário a Madre Teresa de Calcutá teria
morrido com a maior fortuna do Mundo.
Mourinho discordará: de resto, o
seu desempenho o demonstra 24 horas por dia. Há quem defenda que o seu
comportamento público constitui uma representação, e que ele não é realmente
tão mau como parece – mas isso não se me afigura uma desculpa válida, porque um
Homem Bom não deve representar aquilo que não é. E já agora, representar por
representar, que tente que o mau passe por Bom. Que se considere que o Bom tente
passar por pior do que de facto é, e que esta possa ser considerada uma
estratégia válida e meritória por muitos, só pode mostrar que vivemos numa
sociedade confundida nos seus valores.
A verdade é que para Mourinho,
tal como para Soares, o protagonismo é pão-para-a-boca, nem que se obtenha
pelos modos menos escrupulosos. Para o treinador, os jogadores são um mero
veículo para o alcançar. Soares sempre o fez, e continuará a fazê-lo, nem que
isso lhe custe a perda de amigos de juventude – como o já referido Alegre, ou o
já falecido Salgado Zenha.
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