O nosso pessoal político, da esquerda à direita, tem provado ter uma
relação difícil com o consumo privado. Manda a “sabedoria” política
dominante manter o povo contente, ou pelo menos positivamente expectante
quanto às suas expectativas de consumo, pois é tido como verdade
insofismável que a imensa plebe votante não vê para além do dia
seguinte, tão pouco está interessada em ouvir vozes que pensem a prazos
mais compridos, favorecendo a lógica eleitoral de colocar da melhor
maneira possível a carroça à frente dos bois, consumindo primeiro de
modo a manter a populaça satisfeita, e esperar que a alguma coisa corra o
melhor possível de modo a corrigir qualquer consumo mais esticado que
tenha ocorrido. Enfim, nada que qualquer mente desmiolada não pratique.
O caso seria mais ou menos gerível se esta psicose ocorresse somente
pelas bandas da esquerda. No entanto, e para surpresa dos politicamente
ingénuos como eu, a direita também demonstra cair na tentação,
nomeadamente, pasme-se, pela mão do Sr. Pires de Lima. Na sua moção ao
congresso que não existiu, no ponto 3 segue esta pérola: Pretender
activar uma estratégia de crescimento do Produto sem estabilizar,
primeiro, e permitir a recuperação e o crescimento, depois, do Consumo
Privado parece‐nos uma ficção. Não é sustentável a ideia, num Pais que
exporta 38% e importa 40% do Produto, que o crescimento económico possa
ser atingido unicamente pelo desenvolvimento das exportações. Muito
menos num período em que os nossos principais mercados‐clientes vivem em
estagnação (Alemanha, Reino Unido) ou recessão (Espanha, França)
económica. As exportações devem continuar a desempenhar um papel
prioritário nas políticas económicas mas têm de ser acompanhadas por
uma preocupação de recuperação do consumo privado, nomeadamente de bens
transaccionáveis.
Expurgando o economês escorreito que permite a qualquer leitor
concordar com o exposto, o que acima se denuncia é uma fraca percepção
de longo prazo quanto à dinâmica de uma economia tomando em linha de
conta o incómodo, mas fatal, equilíbrio da balança corrente que se
impõe. O exposto não persuade que o consumo privado possa estar de
alguma forma relacionado com as exportações como efeito colateral de fim
de linha, tão pouco considera que na actual situação de Portugal
primeiro tem que se exportar, depois, e por imposição própria da
dinãmica exportadora, aumenta-se o consumo de bens intermédios, e por
fim como brinde consome-se. Sabemos que desta forma o PIB demora mais
tempo a crescer, embora também se saiba que cresça de forma mais
sustentável, mas só as mentes mais infantis acreditam que os PIBs podem
crescer na “mecha” na directa proporção da sua vontade política e de
acordo com as agendas eleitorais dos participantes.
Os últimos números estão aí para deixar o Sr. Pires de Lima muito
satisfeito. Realmente o PIB cresce mais na versão na “mecha” pela mão
dos carros que a população resolveu começar a comprar desde há dois
anos. Como a venda de carros conta para o PIB, está tudo bem. E mais bem
ainda fica se considerarmos que o aumento da venda de carros deixa os
habitantes do ministério das finanças ao rubro pelo efeito da receita
fiscal (que maçada as exportações não serem tão cooperantes nesta
matéria…). O incómodo é que também contam para o desequilíbrio da
balança corrente, efeito pernicioso e pouco perceptível, mas que convém
lembrar terem sido esses desequilíbrios a causa comum da três
intervenções externas que infelizmente tive oportunidade de vivenciar.
Não, não é ficção como é dito no texto moção. É como deve ser. É
também nestas nuances que se detectam as diferenças entre um político
que lê e interpreta o futuro (os países supra indicados passaram a ter
taxas de crescimento), e tem a correcta percepção do trabalho de casa
que há para fazer (fazer de Portugal uma sociedade exportadora *), e
aquele que navega ao sabor da corrente sem saber muito bem por que mar é
que navega. Mas nada disto nos deve espantar. No final de contas
trata-se de alguém que pouco antes de ser empossado dizia não ter
pretensões ao ministério da economia e ter lá aterrado nas condições que
todos conhecemos.
*aspecto que não se confina somente a imperativos macro económicos
Uma confissão: adoraria ter conhecimentos de psiquiatria que me
fizessem entender as constantes infantilidades do governo grego desde
que tomou posse e o significado da expressão aluada e perdida do Sr.
Euclid Tsakalotos durante a cimeira do acordo.
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