sábado, 28 de abril de 2012


A Maldição de Narciso

Esta semana, os portugueses ouviram da boca de dois dos seus cidadãos mais conhecidos duas mentiras. O político Mário Soares, durante a rábula com o 25 de Abril, afirmou que «o protagonismo é coisa que não lhe interessa». Acrescentou (convencido de que todos nós ignoramos que a necessidade de protagonismo é uma doença incurável) que «protagonismo já o havia tido de sobra no passado» - como se esse néctar de que se alimentam os narcisos não fosse um alimento adictivo. Se não, como explicar a sua candidatura a Presidente da República em 2005, aos 80 anos, lançando a confusão no PS e comprometendo a sua amizade longeva com Manuel Alegre?! Foi castigado duramente no seu desejo de protagonismo pelo sufrágio popular, com 14% dos votos.

De vez em quando, os jornalistas em Portugal arriscam que Mário Soares é um dos poucos personagens consensuais no cenário político português, mas em pontuais inquéritos pessoais, pude verificar que não estou só em discordar deste vaticínio. Nunca consegui simpatizar com o veterano político, do qual miticamente Marcelo Caetano terá dito, enquanto seu professor, que nunca tinha conhecido alguém que falasse tanto e dissesse tão pouco. Acresce que, no que toca à sua vida privada, Soares sempre passou a imagem de um cidadão de hábitos burgueses, e não de um socialista marxista. A título de exemplo, lembremos que conspirou com um grupo de amigos, durante e após um almoço no luxuoso Restaurante Aviz, no Chiado, sem dúvida acompanhado de bons vinhos, melhores cognacs e cubanos charutos (é o que dizem as crónicas dos jornais da época), o princípio do fim dos governos de Cavaco Silva, porque o cenário político estava muito estagnado para os seus interesses, e aqueles dos seus apaniguados. Emprego, com horário das 9 às 5, não consta que tenha tido algum…

O outro famoso é o sadino José Mourinho, que nos procurou convencer que não estava triste por si, mas pelos seus jogadores, quando se viu superado numa eliminatória europeia, por um clubes oriundo do país da Srª Merkel, que fez as coisas do modo que sempre consagrou a Alemanha: com eficácia, energia, coragem e até talento. Mourinho tem uma legião de adeptos, tanto em Portugal como no estrangeiro, que nele admiram essencialmente uma coisa: os resultados. E no mundo pós-moderno em que hoje vivemos, meios e fins confundem-se constantemente, e ética é uma palavra de origem greco-romana que já só faz sentido nos livros da História: ou se apresentam resultados – e nesse caso é-se bom – ou não se apresentam – e é-se mau. Sob esta perspectiva, que não subscrevo, o valor moral de uma pessoa poderia aferir-se a partir do valor do seu salário. E a realidade mostra que, obviamente, a Bondade (no sentido ético-moral) de cada pessoa não se afere de acordo com os seus resultados, caso contrário a Madre Teresa de Calcutá teria morrido com a maior fortuna do Mundo.

Mourinho discordará: de resto, o seu desempenho o demonstra 24 horas por dia. Há quem defenda que o seu comportamento público constitui uma representação, e que ele não é realmente tão mau como parece – mas isso não se me afigura uma desculpa válida, porque um Homem Bom não deve representar aquilo que não é. E já agora, representar por representar, que tente que o mau passe por Bom. Que se considere que o Bom tente passar por pior do que de facto é, e que esta possa ser considerada uma estratégia válida e meritória por muitos, só pode mostrar que vivemos numa sociedade confundida nos seus valores.

A verdade é que para Mourinho, tal como para Soares, o protagonismo é pão-para-a-boca, nem que se obtenha pelos modos menos escrupulosos. Para o treinador, os jogadores são um mero veículo para o alcançar. Soares sempre o fez, e continuará a fazê-lo, nem que isso lhe custe a perda de amigos de juventude – como o já referido Alegre, ou o já falecido Salgado Zenha.

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