sexta-feira, 25 de novembro de 2011

As agências de rating servem para alguma coisa?

Ontem duas agências de rating desceram o rating de Portugal. Consta que o critério reside no facto de a previsão de crescimento do PIB ser inferior ao previsto. Ao que parece as agências de rating não andam a aprender muito com a actual crise de endividamento soberano. Aliás, como toda a gente. Isto só por si revela a dimensão do problema que temos pela frente. Como curar uma doença que não entendemos? E porque damos demasiado crédito à opinião de quem se fartou de falhar no passado.

Valerá a pena lembrar que Portugal começou a cavar a crise de sobre endividamento onde se encontra mergulhado lá pela segunda metade dos anos 80. Os governos do Sr. Cavaco Silva deram um belíssimo pontapé de saída ao iniciar o mecanismo de engorda automática da função pública. Mas foi nos governos do Sr. Guterres que a bebedeira se tornou evidente. Nesse momento cantava-se a bom som que as vozes dos que apontavam para o perigoso endividamento crescente não viam que o famoso PIB ia crescendo. O pagode, a engordar, comia o que a voz do Governo de então vociferava, e, a abarrotar agora de nova gadgeteria tecnológica, carros novos, compra de casas, e com uma bolsa a inchar devido à bolha tecnológica, achava qualquer discurso contrário à onda um mero desabafo de intelectual desencantado ou pouco receptivo à nova realidade. E para validar tudo isto lá estavam as agências de rating.

O povo andava de facto contente. Abandonara o campo e o mar, aconchegava-se num simpático escritório ou num moderno stand de venda de automóveis, piscava o olho à menina da loja do novo shopping que preterira o serviço doméstico muito menos propenso às novas oportunidades como aquelas oferecidas pelo Francisco do novo balcão do BCP ou o Luís da loja da TMN mesmo ali ao lado. Escapadelas de fim-de-semana eram agora feitas num instantinho com as novas auto-estradas. Tudo um cenário mais Europeu, mais moderno, com bom carregamento de verniz para compensar as carências de formação de base. Caramba, ser parte integrante da CEE já não era compatível com actividades como a pesca, a agricultura, o servir na casa dos senhores ou à mesa, ou ainda fazer aqueles trabalhos mais duros e menos convidativos tendo em conta os novos imperativos do reescalonamento social em curso. À semelhança do que se passara em França após a 2ª guerra com os Portugueses, esses trabalhos deveriam ser feitos agora pelos novos imigrantes de Leste, enérgicos, de sorriso de orelha a orelha, e sem pejo de pegar em qualquer trabalho. No entanto havia uma pequena diferença. Muito deles apresentavam elevada educação formal. Mas isso era tomado como uma mera curiosidade e nenhuma outra conclusão se deveria daí tirar. De resto, na política, os sinais dos novos senhores mantinham-se, e até houve quem falasse num novo astral. E na banca nem faltava o Sr. Gonçalves e outros a gabarolarem-se de lucros fabulosos e em crescendo. E acaso precisássemos de um príncipe banqueiro para mostrar lá fora sempre poderíamos avançar com o Sr. Rendeiro. A construção ia vivendo também momentos épicos, beneficiando de belos casamentos de conveniência mais ou menos obscuros entre o sector e os políticos do poder central e local (não nos esqueçamos nunca destes). Aqui, qualquer travão ao financiamento poderia ser sempre resolvido com uma PPP convidando a engenharia financeira a mostrar todo o seu poder de fogo e operar os milagres que só alguns conseguiam compreender. Conseguia até novas auto-estradas com pagamentos virtuais. Um verdadeiro idílio. E tudo com a bênção das agências de rating.

Entretanto já se iam ouvindo uns zun-zuns mais fortes. Por esta altura mais gente informada e avisada apontava para a grave questão do sobre endividamento, que o PIB já não crescia mais, que existiam fortíssimos desequilíbrios macroeconómicos, que as PPP afinal eram uma bomba relógio, que os licenciados fugiam a torto e a direito, que o mercado laboral era pouco discricionário, etc. Mas o povo não queria ouvir, tão pouco perceber. E com isso ia-se entretendo a votar ainda mal. Agora escolhia um “moderno”, de conversa fiada, manipulador, manhoso… senão mesmo bandido. Com ele o povo ia-se servindo da mentira como forma de não encarar a realidade que a voz da razão dos mais esclarecidos agora vociferava. Um prenúncio para um tremor de terra. O governo lá ia fazendo das suas, um pouco perdido aqui e acolá, com novos aeroportos que mudavam de sítio, com TGVs, novas pontes, emanando constantemente aquela confiança banha da cobra tão típica dos aldrabões, acenando com Novas Oportunidades, etc.. E por fim mentia já descaradamente e sempre com a cabeça bem enfiada na areia dizendo que não precisávamos de ajuda externa. E tudo com a bênção das agências de rating.

Agora vieram outros, casados com as instituições financeiras internacionais, avessos àqueles casamentos suspeitos com as construtoras e banca, pouco dados a deslumbramentos provincianos, com um toque impoluto de quem pouco tem que ver com o sistema montado, sem agendas pessoais, conscientes, e com uma missão ainda mal compreendida: fazer de Portugal um país viável dentro da zona euro. Agarraram-se ao acordo efectuado com os mandatários dos credores, dizendo mesmo que querem ir para além dele, e desataram a tomar medidas que aceleraram o fatal processo de ajustamento da nossa economia. Menos importações, mais exportações, menos consumo, redução (à séria) da massa salarial do sector público, cancelamento de muita obra faraónica sem aderência à realidade, e até uns vislumbres de acabar com uma panóplia de institutos que nunca ninguém percebeu bem para que servem (neste ponto esperemos por 2012…). Consequentemente o PIB irá contrair uns 3,5% em 2012. Para mim isso é bom sinal, mas parece que o não é para as agências de rating! Significará que a estrutura do produto será muito mais sólida pois terá um peso muito maior das exportações e de substituição de importações. Mil vezes esse nível de PIB com essa estrutura do que aqueloutro montado sobre o vício do consumo sem correspondente nível de produção, carregado de endividamento, de compra de carros e demais gadgeteria electrónica. Direi que estamos perante o início de um novo ciclo da nossa vida económica em Portugal. De uma economia baseada no consumo, no défice e no endividamento, para uma economia voltada toda para a exportação (não esquecer que há que pagar a dívida acumulada). E tudo sem a bênção das agências de rating.

Ora parece ser chegado o momento de perceber o papel dessas agências, relativizar a sua importância, e perceber um pouco que nem sempre os mercados financeiros estão em condições de funcionar com normalidade, sobretudo quando são chamados a avaliar prazos muito longos.

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