SÁBADO, 18 DE DEZEMBRO DE 2010
Portugal tem sido sujeito nos últimos anos a uma sangria muito grande de licenciados. Embora nos dois últimos anos essa sangria tenha sido estancada de certa forma pelo facto de a crise financeira ter estado em todo lado, é fácil de prever que doravante irá haver uma segunda vaga de emigração de cérebros devido à retoma mundial e ao fatal decréscimo das condições de vida em Portugal.
Por vezes questiono-me: quem pertence à melhor cepa? Os que ficam ou os que vão? Curta declaração de interesses: eu sou dos que já fui. Existirão argumentos para os dois lados. Será válido dizer que os que vão são os de segunda linha porque não foram os escolhidos para as poucas vagas existentes. Mas também será válido dizer que os que vão são os inconformados e pouco dados a aceitar o modelo laboral e de recompensa em vigor em Portugal.
Há ainda um argumento semi-oculto. É o argumento cultural. Desenvolvemos um jeito muito peculiar de relacionamento no trabalho, onde parece que a familiaridade é bem mais recompensada que a relação distante mas profissional. Não existe fronteira entre o nosso mundo e a porta da empresa. Actuamos no ambiente de trabalho como fora dele. E pior do que isso tendemos a transportar os nossos conceitos de divisão social determinados pelo volume da conta bancária na relação de trabalho. Neste particular é muito impressionante o evidente pedantismo do “patrão” português.
Decorrente do parágrafo anterior, seria benéfico uma grande dose de inconformismo no nosso reino laboral. Estou muito pouco certo de que os que ficam o tenham em boa quantidade. Mesmo o melhor recém-licenciado sabe que a porta que lhe deu entrada lhe poder servir de saída se depressa não aprender “como é que as coisas são”. Ele sabe isso perfeitamente pois o seu “patrão” cedo lhe “passa a mensagem” de como as coisas são feitas no mundo do trabalho em Portugal, e ele, semi-tolhido, e apercebendo-se da realidade, depressa toma a sua decisão conjuntamente com a ajuda imprescindível da sua noiva Manuela com quem conta povoar um pequeno ninho. E a Manuela, com o seu jeito de musa lusitana, cedo lhe vai passando a mensagem que o mundo fora do mundo de trabalho precisa do mundo do trabalho. E que ele só tem que se preocupar com o rendimento porque ela trata de tudo o resto. Embora possuidor de cérebro capaz de resolver qualquer complicado algoritmo ou complexa questão de Direito, cercado por todos os lados e com bom sol como conselheiro, o nosso aluno de primeira linha cedo tomou a decisão sem sequer se ter apercebido.
Estando já lá, de lá mais não sai, ainda que tenha sido aluno de 18 ou 19. Não será fácil fazer frente a uma pessoa inteligente recheada de defeitos culturais. Mais tarde, e já totalmente rendido, começa a apreciar as delícias de bom vinho e de boas escapadelas que a sua volumosa carteira viabiliza. A partir dos 40 já nada poderá ser feito: Alea jacta est.
Para Portugal, que é o que me interessa, direi que a questão não será “quem são os melhores?”. Antes será “quem possui inconformismo em maior dose de que tanto precisamos?” Para esta última pergunta sei eu bem onde está a resposta. Só não sei quando eles virão.
P.F.Drucker mais do que uma vez escreveu que as melhores organizações são aquelas onde o vulgar cidadão faz coisas extraordinárias.
Para isso não preciso de génios. Preciso antes de inconformados.
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