quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Reflexão sobre onde fazer investimento público

Domingo, 22 de Novembro de 2009
É no meio de uma ressaca de uma crise financeira que o investimento público é mais necessário. A redução do consumo privado pelas famílias / indivíduos deverá ser compensada pelo aumento do investimento público. O objectivo é evitar um decréscimo elevado do nível de actividade económica e com isso gerar-se um mecanismo de bola de neve que leve a uma Depressão. Enquanto as famílias / indivíduos procedem ao ajustamento do seu consumo face à nova realidade o investimento público trata de compensar essa redução. Posteriormente, e após efectuado esse ajustamento, há que reduzir o investimento público de modo a evitar uma crise orçamental.

A questão que se levanta é sobre para onde direccionar o investimento público. Em Portugal fala-se no TGV e num novo aeroporto para Lisboa. Já neste espaço referi que estas opções são absurdas pelo facto de não existir nas décadas que se seguem população suficiente que sustente a exploração corrente e o pagamento do investimento para essas actividades. Com a agravante de que as estruturas agora existentes já responderem satisfatoriamente às necessidades presentes e futuras, pelo que novas estruturas significam luxos. Este é o absurdo político de momento com que somos confrontados.

É no entanto óbvio que existem outros investimentos públicos que são necessários e que em muito podem satisfazer a população, nomeadamente aquela franja de menores rendimentos. Penso de imediato em bons transportes públicos urbanos, na expansão da rede de metro e eléctrico em Lisboa e no Porto. Não só se trata de satisfazer as necessidades de transporte diárias de novas populações, as que ainda não estão servidas, mas também trata-se de incrementar o nível de serviço das que já estão servidas, oferecendo-lhes portanto outros destinos.

O investimento em transportes públicos é positivo porque, para além de melhor servir as necessidades de transporte, pode aliviar o orçamento familiar / individual dos cidadãos por estes passarem a utilizar com menor frequência o transporte privado, por definição mais caro. Ou seja, existem efeitos positivos imediatos nas populações ao nível de serviço e de custo, sendo que as populações de mais baixos rendimentos sentirão positivamente e de forma muito mais acentuada esses efeitos.

Outro aspecto positivo é a aposta na cultura de bens públicos que podem ser utilizados por todos. TGVs e novos aeroportos são, no actual e futuro cenário demográfico do país, luxos que irão beneficiar só uma parte da população, e logo a de maiores rendimentos. A extensão das redes de metropolitano e eléctrico, pelo contrário, irão beneficiar muito mais pessoas, e com uma regularidade quase diária. E logo aquelas com menos rendimentos, o que em si é bem mais meritório.

Também, e este ponto é pouco abordado, uma rede de metro muito mais alargada beneficia as necessidades de transporte dos idosos do futuro em Portugal. Porquê? Porque esses, com as suas reduzidas reformas não vão ter dinheiro para ter automóvel e para andar de avião e de TVG (a partir de Lisboa não vão ao Porto e a Madrid porque não vão ter dinheiro para o transporte e porque não vão ter dinheiro para os hotéis). Precisam acima de tudo de bons transportes públicos para se movimentarem na sua área alargada de residência. Os idosos do futuro, em número muito superior ao de hoje, irão precisar de ir aos médicos sozinhos (o filho/a viverá por certo longe e não haverá dinheiro para pagar um acompanhante), frequentar parques e jardins públicos, visitar museus, etc. A maior parte deles residirá nos grandes centros urbanos, e nada como uma boa rede de metropolitano e de eléctrico para satisfazer as suas necessidades de transporte.

Também uma boa rede de transporte público urbano tem o mérito de aliviar o actual elevado nível de tráfego automóvel. Ou seja, é substituto do actual meio de transporte, pelo que tende a satisfazer todos, independentemente do rendimento. E mais, por reduzir tempos de transporte, por servir mais população, é mais amigo da família, e com isso pode ser facilitador do desejado aumento da taxa de fecundidade.

Existem também outros destinos para investimento público. Eu apostaria em jardins e parques. De preferência os de proximidade, ou seja, suficientemente perto do local onde as pessoas vivem. Não têm que ser parques gigantes. Apostaria mais em muitos e mais pequenos, e já agora com poucas elevações pois parece que isto da idade tem que se lhe diga. É que os idosos precisam de passear e um jardim ou parque na proximidade pode vir a calhar.

Pensemos que este grupo etário (mais de 65 anos), grupo um pouco mal amado cá no burgo, vai corresponder a cerca de 2,7 milhões da nossa população em 2050 (cerca 36% da população para o cenário mais pessimista, ou seja, para uma taxa de fecundidade igual a 1,3 e que mais não é do que a taxa actual; em 2008 a população com idade superior a 65 anos corresponde a 1,875 milhões). E como as árvores demoram algum tempo a crescer talvez o trabalho devesse ser iniciado agora. Mas isto de falar em parques para os idosos gozarem em 2050 soa a politicamente errado segundo os valores do momento. Mas se este argumento não serve, caramba, diga-se que é ecológico, argumento um pouco “mais a calhar”, mais “moderno” e com aprovação certa do spin doctor de serviço.

Proponho que se reflicta seriamente sobre onde queremos efectuar investimento público. Qualquer que ele seja, ele vai ser custeado pelas gerações futuras pois ter-se-á que recorrer a empréstimos (no pressuposto que eles nos são concedidos). Pelo critério da seriedade talvez seja pertinente identificarmos como vai ser a população portuguesa nos próximos 30 a 50 anos e de quais serão as suas necessidades.

Há muito trabalho de reflexão a fazer.

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