quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A banca encostada à parede

TERÇA-FEIRA, 2 DE FEVEREIRO DE 2010

Um distinto banqueiro da nossa praça insurgiu-se contra as recentes posições das agências de rating internacionais, posições essas que têm resultado no aumento do custo do dinheiro com que os bancos se financiam internacionalmente. Relembro que a nossa economia tem que recorrer a muitos fundos externos devido à escassez de poupança interna. Assim, com o custo do dinheiro a subir devido às avaliações que terceiros fazem da nossa economia, com as dificuldades em reflectir esse aumento de custos nos spreads praticados, os bancos são encostados fortemente à parede se quiserem prosseguir no modelo de negócio em vigor nos últimos 20 anos.

À primeira vista isto não é bom para a banca pois, na sua óptica, é o início do fim de uma era de ouro: a era do financiamento externo barato com destino ao financiamento barato do consumo interno. Esta fase da crise internacional, a fase da avaliação de quem pode cumprir bem com as exigências da Globalização e quem melhor enfrenta os deficits correntes e dívida acumulada, obriga a uma inflexão de prioridades para muitas economias (produzir em vez de consumir) o que obriga a entrar-se numa nova era: a era do financiamento interno barato com destino à produção competitiva de bens e serviços a serem exportados.

Os bancos conhecem já a nova realidade que Portugal tem que abraçar. Existe inteligência mais que suficiente na nossa banca. No entanto alguma inércia aliada à energia necessária para a mudança são obstáculos pouco apetecíveis de enfrentar. Esta nova realidade demorará alguns anos a implementar-se, e o seu sucesso está menos dependente das mãos da banca, e muito mais dependente de terceiros, ou seja, dependente do sucesso das empresas exportadoras e da sua capacidade de puxarem pelas empresas ligadas à economia interna. E porquê? Porque fazer crescer um negócio baseado no crédito ao consumo é muito fácil quando se parte de uma base muito reduzida do padrão de consumo, como foi o caso de Portugal no início dos anos 90. Quem se endividava na altura para comprar casa e automóvel? Quase ninguém. Estava tudo por adquirir, e tudo dependia da vontade individual e da capacidade comercial dos bancos. Ou seja, as “ganas” consumistas uniram-se numa simbiose perfeita com a vontade louca de emprestar. E cereja em cima do bolo, os bens financiados serviam de colateral como garantia do empréstimo, e não existia especial necessidade de constante acompanhamento do cliente durante a vigência de todo empréstimo. E o beneplácito do poder político, sempre perfeitamente extasiado com a afluência aparente que se ia abatendo em cima destes improdutivos lusitanos, marcou também sempre presença nesta interminável festa através do seu exemplo. Uma incontinência geral. Viveu-se portanto o clímax total, qualquer que fosse a perspectiva, a do indivíduo, a do banco, ou a do Estado.

Agora fazer crescer um negócio de crédito onde se tem que emprestar dinheiro a empresas / empresários que se lançam em projectos para se baterem com empresas / empresários a um nível supra-nacional, tem claramente níveis apelativos muito inferiores ao modelo do parágrafo anterior. Isto é mais arriscado, depende mais da perfomance dessas empresas / empresários, as garantias reais são muito mais difíceis de serem asseguradas, e exige um acompanhamento e assessoria ao cliente incomparavelmente diferente. E para piorar a equação, este novo modelo exige do poder político um tipo de parceria que este não está particularmente à altura de dar. Mas a adopção deste novo modelo é o desafio que temos que enfrentar, custe o que custar.

Senhores banqueiros, chegou agora a hora de realmente mostrarem o que valem. Como vêem, as exigências agora são outras, mais altas. Acredito que têm a capacidade de as enfrentar. Até porque este novo cenário é mais estimulante e deverá puxar pelo melhor que há dentro de vós. E não estarão tão desacompanhados na viagem. Terão a companhia dos clientes empresariais exportadores, coisa que naturalmente sabem o que é, embora não nos números que terão que ser. É do sucesso dessa caminhada conjunta que esperamos que contagiem o resto da economia, ou não fosse esse o modelo de sucesso das economias mais prósperas. Se tiverem dúvidas perguntem sobre isto aos alemães, ou então se não quiserem ir além fronteiras revisitem a economia nacional dos anos 60 a 74 quando o sector financeiro andava muito bem de braço dado com a economia real. Havia condicionamento industrial que facilitava, é certo, mas o casamento banca / indústria lá seguia solidamente o seu caminho. No fundo, no fundo, é a banca como ela sempre terá sido, um repositório de dinheiro de quem pretere consumo imediato por consumo futuro, dinheiro esse a ser canalizado para quem dele precisa no imediato para a produção de bens e serviços.

Por isso meus senhores, mãos à obra rapidamente que se pode fazer tarde. Isto da Globalização é de pouca ternura com os lentos e com os que fogem à realidade.

Nota final: Senhores banqueiros, já todos repararam nas vossas motivações em financiar grandes projectos. Sim, o NAL e o TGV e outros que tais. Sim, belo risco, não é? Com o Estado a avalizar, que é como quem diz, o contribuinte, temos risco zero. É um festim. Sim, sim, percebemos lindamente quando dizem que esses projectos são imprescindíveis para a economia nacional. Pois não haveriam de ser. Senhores banqueiros, trata-se somente da fuga ao novo modelo de negócio de que acima vos falei. Nada mais. Isto resolve-se quando apanharem com um governo normal, coisa que tarde ou cedo forçosamente aparecerá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário