Terça-feira, 17 de Novembro de 2009
Portugal, uma característica que ganhaste nos últimos 30 anos é que te consideras superior relativamente aos trabalhos disponíveis. Pura e simplesmente já não aceitas determinados trabalhos. Compraste a ideia de que num ápice, sem formação formal de registo, sem engenho digno de nota, sem estratégia, e sem perseverança era possível ter o nível de vida do Alemão ou do Holandês. As contas estão a sair de tal forma furadas, têm implicações tais, que até te custa abordar o assunto.Portugal, o fenómeno teve o seu pontapé de saída lá por 1995 ou 1997. Em plena incontinência consumidora, com muito “combustível” bem baratinho (juros baixos como nunca se vira), com a economia a crescer via consumo e não via exportações, achaste-te um verdadeiro Lorde. Para animar o sentimento de riqueza aparente, ias acolhendo umas Florikas e Lydias do Leste europeu e umas Vânias e Marcelos do Brasil. Tudo para os serviços indiferenciados que serviam os teus propósitos consumistas (restauração, construção, serviços domésticos, etc.). Todos preenchiam trabalhos que ias considerando já não estarem ao nível do estatuto que deste por eternamente adquirido.
O espanto nessa vaga de imigrantes de Leste é que muitos desses imigrantes eram médicos, engenheiros, etc. Isto fazia-te uma confusão tremenda, pois para ti o 12º já devia dar direitos a um el doradozito. Ligeiramente perplexo e com um formigueirozinho incómodo (alguma coisa devia estar mal, não é verdade?), mas feliz e contente, ias fazendo fé na nova fórmula: crédito abundante e barato e muito pessoal disposto a servir-te a um preço bem catita, e também com pouca apetência para refilar e cheio de atitude.
Segundo dados do SEF (serviços de estrangeiros e fronteiras) em 2008 a população estrangeira residente era de 440.277 pessoas. Em 1998 era de 178.137 pessoas. A população empregada passou de 4.526.400 (dados IEFP) em 1998 para 5.076.200 (dados INE). Dos 550.000 postos de trabalho que a economia criou neste período, cerca de 40% foi ocupada por imigrantes (demos um desconto de que do incremento de 260.000, 40.000 vieram para se reformarem e não para trabalhar; no entanto, e para contrabalançar, também temos a questão dos ilegais). Portugal criou muitos postos de trabalho em 10 anos, só que os imigrantes acharam-nos bem mais interessantes do que os Portugueses.
A maior parte dos imigrantes trabalha. Inclusivamente no interior e nas regiões mais escondidas do nosso País onde há sempre queixas de que não há trabalho. Portugal, onde tu te ias entretanto queixando de que não havia trabalhos, esta gente, bem viva, mexida e industriosa, lá ia encontrando trabalho. Agora no séc. XXI, aos poucos, com a Globalização a apertar-te os calos e a mostrar-te de que matéria se faz a realidade, descobriste, à pala da coesão social, o RSI (rendimento social de inserção), e com isso deste continuidade à fórmula que te alimenta a ilusão de que se pode viver acima do esforço de que se está disposto a despender e das habilitações que estás disposto a adquirir.
Neste momento, aturdido por teres sido ultrapassado pelos acontecimentos, és invadido por múltiplos sentimentos de desânimo, tais como o teres falhado as avaliações do jogo que podias jogar, teres que redimensionar profundamente as expectativas, e teres que agarrar no futuro próximo os trabalhos que fingias não veres (os que no fundo não querias aceitar) e que os outros te provaram que existiam. Neste momento experimentas uma mudança porque a realidade a isso te obriga e porque já não há escapatória. É uma mudança que se vem prolongando no tempo, mudança silenciosa, individual e dura. Esconde alguma raiva pelas expectativas defraudadas, e porque decorre de um erro que sabes não ser bonito ter-se cometido, o julgar ser-se mais do que realmente se é. Paralelamente, e aos poucos, vais procedendo a novas análises, onde vais incluindo mais modéstia, mais realismo, e mais temor pelas consequências de eventuais erros. Melhorarás assim as avaliações e entrarás em sintonia com a realidade. Assim te podes salvar e evitar mais surpresas desagradáveis no futuro.
Como curiosidade (olha que isto pode ser uma bela oportunidade), neste momento o País já nem vale tanto para muitos imigrantes, nomeadamente os de Leste (os brasileiros são os próximos a ir embora pois o Brasil vai carburar muito e bem). Muitas Florikas voltam à base com um pequeno pé de meia e com a noção do dever cumprido. Levam o que ganharam com o esforço que tu não quiseste despender, e levam os seus filhos (sim, isto foi gente que não se contentou com médias de 1,3 de taxa de fecundidade). Mas deixam-te três coisas: a prova de que há trabalho (embora agora seja muito mais complicado, isso é inequívoco), o exemplo de como se deve encarar a vida, e a prova de que com dificuldades económicas é ainda possível procriar em conformidade. Portugal, sê humilde e aproveita a mensagem.
Portugal, esta fotografia deixou-te muito mal. Isto ficará inscrito na tua história. Isto não conseguirás nunca justificar condignamente, por mais retórica que possuas. Sobra a explicação que mais não é do que “consideraste-te mais do que aquilo que eras”. Portugal, assume bem o erro, aprende bem com ele, acelera e vai em frente.
P.S. Este tipo de análise não pode deixar de ser injusta para muitos Portugueses sérios, industriosos, trabalhadores, cumpridores, modestos e honrados, e que nunca se julgaram mais do que aquilo que são. Eles existem, e sempre existiram, mas recentemente não marcaram o standard nacional. A toda essa gente de boa cepa, um grande bem haja.
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