QUARTA-FEIRA, 3 DE MARÇO DE 2010
Portugal, tens que combater sem tréguas essa neurose ilimitada de cargas de trabalho de 12 e mais horas por dia. Esta neurose está na moda e é muito popular nos ambientes de trabalho mais palacianos, tais como, escritórios de advogados, consultoras, bancos, tecnologias de informação, etc. Mas não só. Nos dias de hoje o culto propagou-se como um vírus e parece que quem faz questão de trabalhar somente 8 horas por dia é um calão sem emenda e pessoa profissionalmente pouco recomendável. Obviamente o apoio à família e a apetência para ter mais filhos é prejudicado.
Portugal, isto é um tiro no pé na tua sociedade a prazo pois este é o principal motivo da baixíssima taxa de fecundidade que tens (o assustador 1,3). É impossível pensar em ter muitos filhos nestas circunstâncias, principalmente se forem as mulheres as vítimas da pressão para trabalhar mais do que 8 horas por dia, o que, em rigor, é cada vez mais frequente. As mulheres são nos dias de hoje quem mais sofre nestes ambientes “palacianos” porque simplesmente é quem decidiu nos dias de hoje estudar (os homens andam a dormir), e consequentemente quem mais sofre a pressão em ambientes de trabalho no sector terciário. A questão da carreira, coisa muito em voga, está em constante choque com o relógio biológico da procriação.
Portugal, sei que o Estado não é a entidade mais habilitada para proferir doutrina directa nas matérias de planeamento familiar. Isso é da exclusividade do casal. Mas também sei que o Estado pode emitir sinais positivos através do combate às causas que condicionam os casais no processo de decisão, causas essas altamente influenciadoras nas decisões sobre o número de filhos que uma família deseja ter.
Portugal, para isso proponho um aumento acentuado do número de inspectores de trabalho. Que se inspeccionem todos os locais de trabalho onde se desconfie ocorrerem abusos de empregadores sem escrúpulos. Que se promova a denúncia (e que o nojo ao conceito de “bufo” não escude práticas de pressão pouco recomendáveis). Que se coloque o ónus do incremento do nível da produção sobre as chefias. A história diz que a fórmula para grandes aumentos no volume de produção resulta mais em ganhos de produtividade e menos no aumento de horas de trabalho. E tenho para mim que trabalhar diariamente até à exaustão é o principal obstáculo para obter significativos ganhos de produtividade. Que se apliquem avultadas multas para os empregadores prevaricadores. E que se tome o conceito de “avultado” no sentido exacto do termo.
Portugal, sei que a cultura não se modifica por decreto e que a eficácia das leis não tem a correspondência prática quando comparado com o ideal que lhe serviu de base. Nomeadamente no trabalho que envolve conhecimento a eficácia não pode ser totalmente garantida. É mais fácil controlar tudo o que respeite trabalho manual do que o que respeita ao trabalho intelectual. Mas também sei que muito se poderá obter. E não há quem me tire a ideia de que quando se desconfiar que uma medida pode servir para aumentar a taxa de fecundidade ela não deva ser tomada em boa conta.
Ainda na sequência do ponto anterior sugiro outra medida. Esta sim, radical e exotérica. Proponho a contratação de uma miríade de gestores saxónicos e nórdicos para muitas das nossas empresas públicas, lugares de topo incluídos. Este é um ponto que gostaria de abordar ainda noutra “solução”.
Tenho a firme ideia de que o nosso gestor é na generalidade fraco. Não por deficiências de formação universitária, mas por posteriormente escolher modelos de referência deficientes. Nórdico e saxónicos são menos susceptíveis de embarcarem por caminhos contrários à doutrina aprendida nos bancos da universidade, e consequentemente muito mais respeitosos para com as pessoas quando se vêm em lugares de responsabilidade. O gestor português é muito susceptível a confundir o poder que tem com a capacidade de exigir o que não deve nem pode, ou seja, obrigar por pressão sobre quem dele depende ao trabalho de horas extraordinárias.
Sobre este último ponto aproveito para refutar desde já o argumento corporativista que se adivinharia. A Globalização pode tocar também a quem está nos lugares de topo. A Globalização não é só válida para promover despedimentos e para explicar a deslocalização de fábricas, ou ainda para o mundo do futebol. Seria aliás inadmissível a defesa do proteccionismo por parte de um grupo profissional que emite com frequência, e a bom som, as últimas da gestão.
Portugal, resumindo tens que cuidar bem do que se anda a passar nas relações laborais no que toca a abusos horários. Não deixes que a cultura idiota da pressão barata e reles destrua uma geração de mulheres que decidiu estudar. Muita fiscalização e dirigentes com outra cultura são algumas das soluções mais evidentes. A outra, menos evidente, seria explicar às mulheres que subir na carreira não é coisa que tenha que ser feita até aos 40 anos. Isso pertence ao antigamente quando as pessoas se reformavam aos 60 ou 65 anos. As mulheres que hoje entram no mundo do trabalho irão reformar-se aos 70 ou 75 anos pelo que haverá mais que tempo para a carreira.
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